A VIDA
DE SWAMI VIVEKANANDA
por
SEUS
DISCÍPULOS DO ORIENTE E OCIDENTE
Seleção:
livros I, II, III e IV
Original:
Advaita Ashrama
Majavati – Almora – Himalaias
7ª edição – 1965
(1ª
edição – 4 de julho de 1912)
LIVRO I
Capítulo
II – Nascimento e Infância
A esposa de Vishvanath, Bhuvaneshwari
Datta, como todas as mulheres do mundo, ansiava por um filho que continuasse
com a tradição da família: que fosse um elo forjado no ferro do amor e do
sacrifício entre o passado e o futuro. Enquanto cumpria com suas tarefas do
lar, rogava silenciosamente, do fundo do seu coração, para que seu nobre desejo
se cumprisse.
Era costume naqueles tempos – e até hoje é – que todos os que vivessem longe de Benares e que tivessem necessidade de algo e desejassem ardentemente que acontecesse, fizessem suas oferendas e sacrifícios a Shiva, por intermédio de algum parente ou amigo que residisse em Benares.
Foi assim que Bhuvaneshwari Devi
escreveu para uma velha tia da família dos Datta, que vivia em Benares,
pedindo-lhe que fizesse oferendas e orações a Vireshwar Shiva, para que ela
pudesse ter um filho. Quando essa senhora o fez saber que tinha cumprido o seu
pedido, Bhuvaneshwari se sentiu muito feliz e com uma firme fé de que seus
pedidos teriam resposta.
Deste momento em diante passou seus
dias em jejum e meditação, em constante rogo interior, com seu coração fixo no
Senhor Shiva. Por momentos visualizava a sua venerada tia despejando água do
Ganges sobre o símbolo do Senhor Shiva ou adorando-o com flores.
Uma noite, Bhuvaneshwari teve um
vívido sonho. Tinha passado quase o dia todo no santuário e ao aproximar-se a
noite, sentiu-se cansaço e com sono. Tudo era silêncio e repouso, em casa.
Então os céus soaram a hora – o momento havia chegado para esta virtuosa mulher
– de tocar os pés do Senhor.
Em seu sonho viu o Senhor Shiva
despertar de sua profunda meditação transcendental e tomar a forma de um menino
que nasceria dela. Então despertou. Era um sonho este oceano de luz que a
rodeava? Shiva, Shiva! O Senhor cumpre, de diferentes maneiras, os pedidos de
Seus devotos! Bhuvaneshwari Devi teve a certeza de que seus longos meses de
expectativa haviam chegado ao fim e que a visão era o anúncio de que suas
orações tinham sido ouvidas e respondidas. Sua fé foi justificada e no seu
devido tempo, nasceu seu filho.
Numa
segunda-feira, 12 de janeiro de 1863, a luz do amanhecer alvoreceu pela
primeira vez sobre o futuro Swami Vivekananda. Era a sagrada hora da alvorada,
justo seis minutos antes da saída do sol. No momento do nascimento, a
constelação de Sagitário se elevava a leste; a lua estava na constelação de
Virgem; o planeta Júpiter estava na décima primeira casa e Saturno em sua
décima. Era o sétimo dia da lua nova do mês Poush, ou seja, o nono mês do ano
Bengali.
Quis o destino que fosse o dia de
Makara Sankranti, um grande festival hindu. Milhões de homens e mulheres que
participavam do festival, sem saber, estavam dando as boas vindas ao
recém-nascido com cânticos, orações e cultos. Ignoravam que acabara de nascer
aquele que guiaria a Índia para uma nova glória e esplendor; que reorganizaria
sua consciência espiritual e nacional e se converteria no grande Apóstolo que
pregaria ao mundo, a eterna mensagem da Vedanta. Enquanto isso, a umas poucas
milhas de Calcutá, em Dakshineswar, alguém esperava a chegada da criança que,
no futuro, haveria de cumprir sua grande obra.
Chegou o momento dar um nome a
recém-nascido. Alguém sugeriu o nome de Durga Das, em homenagem ao avô que
havia renunciado ao mundo. Mas a mãe disse: “Se chamará Vireshwar” - o aspecto
de Shiva, que ela havia adorado antes do nascimento do menino – e assim foi.
Para abreviar, o chamavam “Bileh”. Mais tarde Vireshwar se converteu em
Narendra Nath.
Narendra Nath era um menino travesso e
rebelde, algumas vezes dominado por um estado de intranqüilidade, impossível de
controlar. Nesses momentos extenuava toda a família. Promessas, ameaças, de
nada valiam; todo estratagema era inútil. Finalmente Bhuvaneshwar encontrou a
solução: atirar água fria sobre a cabeça do irascível menino e, ao mesmo tempo,
cantar o nome de Shiva ao seu ouvido. Em seguida o ameaçava dizendo-lhe: “Shiva
não lhe permitirá ir a Kailás se não se portar bem”. Isto o tranqüilizava e
tornava a ser o menino alegre e brincalhão de sempre. Sua mãe, depois destas
cenas, costumava dizer: “Eu roguei à Shiva por um filho, porém Ele me enviou um
de seus demônios!”. Com exceção de seus impulsos incontroláveis, era um menino
de temperamento doce, amoroso, risonho, mas tão inquieto e vivaz, que se
necessitava de duas amas-secas para cuidar dele”.
Narendra sentia grande atração pelos
monges errantes. Um dia chegou um monge a mendigar e tudo o que o menino tinha
era um pedaço de pano envolvendo seu quadril. Imediatamente o deu ao Sadhu, que
o colocou na cabeça e se foi.
Quando lhe perguntaram o que havia
feito com seu dhoti, explicou: “O monge me pediu uma esmola e eu dei”. Desde
então, cada vez que aparecia um monge mendicante, trancavam o menino sob
chave. Como solução, cada vez que um
monge chegava a porta, ele atirava pela janela o que encontrava a mão como
oferenda e depois desfrutava da comoção familiar que ele causava.
Incomodava suas irmãs de todas as
maneiras e quando o punham pra correr, refugiava-se na vala de deságüe
fazendo-lhes caretas e zombando-se delas. Um de seus companheiros de jogos era
a vaca da família. Tinha também uma quantidade de bichinhos: pássaros, um
macaco, uma cabra, um pavão real, pombas, dois ou três coelhinhos da Guiné,
etc. Entre os serviçais, seu amigo predileto era o cocheiro. Narendra era fascinado
pela galante figura do cocheiro com seu vistoso turbante e seu látego, que ele
brandia no ar quando o coche corria majestosamente pelas ruas de Calcutá. A
família lembrava com que confiança e segurança ele sentava-se no colo de
qualquer um, o que denotava sua implícita fé em todos.
A primeira educação, a recebemos do
colo de nossa mãe. Naren, mais tarde, diria que sua mãe lhe havia ensinado as
primeiras palavras em Inglês e havia aprendido o alfabeto Bengali. Aconchegado
em seu colo escutou, pela primeira vez, as histórias de Ramaiana e Mahabharata.
Sem dúvida havia captado algo do dramático fogo e da força que ele mais tarde
pregou.
A primeira semente da vida
espiritual foi semeada durante esse período. Sua imaginação infantil ficou
presa nos acontecimentos da vida de Rama, a ponto de comprar uma imagem de
argila de Sita-Rama e adora-la com flores. Um dia, ele e um pequeno Brahmin
subiram para um pequeno quarto que havia no terraço, sobre os aposentos das
mulheres. Ali colocaram a imagem, fecharam a porta com chave e se sentaram em
meditação.
Depois de um longo tempo, a família
notou sua ausência e começou a procura-lo. Finalmente chegaram ao pequeno
quarto do terraço, encontrando-o fechado por dentro. Chamaram, mas não
obtiveram resposta. Temendo que algo tivesse acontecido a Naren, forçaram a
porta e viram os dois meninos sentados em profunda meditação, diante da imagem
decorada com flores.
Um dia Naren ouviu que alguém,
veementemente, desaprovava o matrimônio, pintando com sombrias cores os sofrimentos
e absurdos da vida conjugal. Naren sentiu-se preso de terror e pensou nas
imagens de Sita-Rama que ele esteve adorando. “Se o matrimônio é algo tão ruim,
que tem a ver Deus com ele?”. Então atirou longe a imagem de Sita-Rama e
comprou uma de Shiva, a quem dedicou a torrente de sua devoção.
Essa mudança lhe causou um tremendo
sofrimento; sua mente havia se sentido despojada de sua ilusão. Ainda assim
este incidente demonstrou sua intrepidez e sinceridade, ao abandonar seu ideal,
por mais doloroso que fosse, por não coincidir com seu conceito da verdade.
Além do mais, colocou em evidência o profundo desejo de sua alma pela
libertação de todos os laços dos sentidos. Mais adiante expressou isso com
estas vibrantes palavras: “Que para sempre a alma seja livre. Devemos nos
libertar de toda escravidão, por mais doce que pareça”.
Não obstante, o Ramaiana exercia uma
grande atração sobre ele. Cada vez que na vizinhança alguém o lia, ali estava
Narendra. Alguns dos episódios da vida de Rama chegava a impressiona-lo tão
profundamente, que esquecia de voltar para casa. Em uma ocasião, quando o
leitor se referiu a Hanuman, o chefe-macaco devoto de Rama, que vivia nas
plantações de bananas, ficou tão impressionado que, em lugar de voltar para
casa, dirigiu-se a uma pequena plantação de bananas, onde permaneceu por várias
horas, com a esperança de ter uma visão de Hanuman.
Cada noite trazia para Narendra uma
estranha visão. Sua maneira de dormir era muito singular. Tão logo fechava seus
olhos, aparecia entre seus olhos uma luz de tons que mudavam e que se expandia
e logo explodia, banhando todo o seu corpo com uma corrente de branco
resplendor. Enquanto sua mente contemplava este fenômeno, dormia. Isto
acontecia diariamente e ele ficava deitado noite adentro; logo quando começava
a dormir, aparecia o ponto de luz.
Considerando isto natural para todo
mundo, nunca mencionou o fato a ninguém até que, muito tempo depois, perguntou
a um companheiro de escola: “Você vê uma luz entre seus olhos quando está para
dormir?”. O amigo respondeu que não. “Eu sim – disse Naren. Trate de não dormir
assim que deitar; fique atento por um instante e a verá”. Anos mais tarde
alguém perguntou a Narendra: “Filho meu, vê uma luz quando está para dormir?”.
Quem fez esta pergunta era seu Mestre espiritual, Sri Ramakrishna. Este
fenômeno permaneceu com ele até o final, apesar de que durante a última parte
de sua vida não foi tão freqüente e tão intenso. Este fato nos fala de um
grande passado espiritual, quando sua alma já havia aprendido a mergulhar
profundamente nas águas da meditação e, em conseqüência, isso tinha se tornando
instintivo nele.
Naqueles dias o jovem Narendra
brincava com a meditação. Embora fosse um jogo, despertava nele profundas
emoções espirituais. Os rapazes da vizinhança costumavam compartilhar com ele
este passatempo. Uma vez, enquanto meditava com seus companheiros, apareceu uma
cobra. Os meninos, atemorizados, gritaram e advertiram Narendra para que
escapasse. Mas Naren não os ouviu e permaneceu onde estava. A serpente ficou
durante um momento e logo deslizou para outro lugar. Quando seus pais lhe
perguntaram por que não havia fugido, Naren respondeu: “Eu não sabia nada da
serpente, nem de outra coisa. Eu estava experimentando uma felicidade
inexprimível”.
Com a idade de 5 ou 6 anos foi a
Pathashala, a escola onde as crianças são iniciadas nas três “R”. Os colégios
são lugares onde se encontra toda a espécie de companheiros. Em conseqüência
disso, poucos dias depois Naren havia aprendido um vocabulário que escandalizou
a família. De imediato resolveram não envia-lo mais ao colégio e contrataram um
professor particular para ele e alguns meninos do bairro. Logo Naren demonstrou
uma inteligência excepcional. Aprendeu a ler e a escrever, enquanto os outros lutavam
com o alfabeto. A memória de Naren era realmente prodigiosa. Bastava que o
professor lesse um tema para que ele aprendesse sua lição.
Com a idade de 7 anos, ele sabia de
memória quase toda a gramática sânscrita, assim como também as extensas passagens
do Ramaiana e do Mahabharata. Em certa ocasião chegou a casa de Naren uma
companhia de músicos ambulantes, que ganhava a vida cantando o Ramaiana.
Cometeram muitos erros no texto e cada vez que isso acontecia, Naren os
interrompia e os fazia notar esses erros, deixando-os assombrados e
satisfeitos.
Existe uma qualidade quase perdurável
nas amizades que se forjam na infância, que faz com que continuem em anos
posteriores e, ocasionalmente, até a morte. Os meninos que vemos jogando com
Narendra serão reconhecidos, mais adiante, como os amigos de sua idade adulta e
com os quais manteve sempre a liderança adquirida quando menino. Sua
brincadeira favorita era “O Rei e sua Corte”. O trono era o degrau superior da
escada que conduzia ao Puja-hall. Ali ele se instalava, não permitindo que
ninguém se sentasse no mesmo nível. Desta posição manobrava seu Primeiro
Ministro, o comandante em Chefe, os Príncipes Tributários e os Oficiais de
menor categoria, os fazendo sentar-se nos degraus da escada de acordo com a sua
hierarquia. Logo decretava as leis e administrava justiça com a dignidade de um
rei. A menor insubordinação era reprimida mediante uma chama de seus olhos de
fogo, como sinal de desaprovação.
Muitos clientes de seu pai, de
diferentes classes, visitavam a casa de Narendra. Cada casta era abastecida com
o cachimbo para tabaco que lhe correspondia, cortesia que se estendia até aos
maometanos. No entanto esse assunto, “casta”, era um mistério para o menino.
Por que um membro de certa casta não podia comer com o membro de outra casta,
ou fumar em seu cachimbo? Que aconteceria se não fosse assim? O mundo viria
abaixo? Então decidiu averiguar por si mesmo. Percorreu o círculo formado pelos
diferentes cachimbos, aspirando um bocado de cada um, incluindo o dos maometanos...
e não aconteceu nada! Quando o repreenderam, disse: “Eu não posso compreender
onde está a diferença”.
Sua exuberância juvenil se expressava
de todas as maneiras, aconselháveis ou não. Um dia, enquanto lutava com seus
companheiros, caiu da varanda do hall-santuário e bateu com a cabeça contra uma
pedra. Até a morte conservou o sinal dessa ferida na testa, justo sobre o olho
direito. O grande sábio, que foi seu Mestre disse, referindo-se a este fato:
“Se os poderes de Naren não tivessem sido refreados por este acidente, teria
feito migalhas do mundo”.
Os que mudaram o pensamento do mundo,
como Platão e Aristóteles; os que alteraram seus destinos, como fizeram
Alexandre e César são, desde a sua infância, conscientes de seu poder e
instintivamente conhecedores da grandeza que lhes sobreviriam.
Narendra Nath sentiu nele esse
espírito de grandeza; via coisas que os demais não viam e sendo um menino,
sentiu o que seria sua luta, mediante a qual se expressaria.
ENSINAMENTO PRIMÁRIO
VISLUMBRE DE ESPIRITUALIDADE
Quando Naren tinha 8 anos, ingressou no Instituto Metropolitano de Pandit Ishwar Chandra Vidyasagar. Sua excepcional inteligência foi reconhecida de imediato por mestres e companheiros. Mas era tão inquieto, que raramente era visto sentado em seu banco.
Quando brincava, o fazia com frenesi:
os jogos consistiam de saltos, corridas e boxe. No momento da merenda, ele era
o primeiro a terminar e voltar aos jogos. Toda novidade o fascinava e ele mesmo
inventou muitas brincadeiras para sua diversão e a de seus companheiros. Fazia
pequenos dispositivos a gás ou com anidrido carbônico, elementos estes recém
introduzidos em Calcutá. Além disso, interessava-se pelas coisas relacionadas
com estrada de ferro e toda espécie de maquinário.
Quando alguns de seus companheiros
discutiam, Narendra era o árbitro. Às vezes, para divertir-se, ele mesmo
separava seus companheiros em dois grupos, um contra o outro. Quando a situação
se tornava violenta, ele intervia rapidamente, muitas vezes com grande risco
para sua integridade física, se bem que seu conhecimento de boxe o protegia.
De vez em quando, este menino rebelde
convertia a sala de aula em um campo de desportes e durante as aulas costumava
entreter seus amiguinhos com relatos de suas travessuras ou com histórias do
Ramayana e do Mahabharata.
Durante uma aula, inesperadamente o
professor pediu a Narendra e seus amigos – que estavam conversando entre si –
que repetissem o que acabara de ensinar. Todos ficaram silenciosos, mas Naren,
com seu tremendo poder de desdobrar sua mente, havia escutado a lição, enquanto
divertia os demais. Respondeu corretamente a todas as perguntas do professor
que, espantado, perguntou qual deles era o que estava conversando durante a
aula. Quando apontaram para Naren, ficou mudo de assombro. Como castigo,
colocou todos de pé. Narendra também ficou, porém o professor disse: “Você não
tem que ficar de pé”. Naren lhe respondeu: “Devo faze-lo, já que era eu que
falava”. E permaneceu de pé.
Chegou o momento de começar a estudar
inglês. A isto ele se opôs dizendo que se tratava de um idioma estrangeiro: que
necessidade havia de aprende-lo? Quando seus mestres insistiram, foi queixar-se
para seus pais, que ficaram de acordo com os mestres. Alguns meses mais tarde,
todos ficaram surpresos pelo entusiasmo e facilidade com que aprendeu inglês.
Naren
mantinha intacta sua admiração pelos monges errantes. Dizia a seus amigos: “Eu
vou ser monge; predisse alguém que me leu a mão”. Efetivamente, em sua mão
estava bem definida uma linha que indicava a tendência para a vida monástica.
Um dos mestres do Instituto era um
homem de mau caráter, que castigava corporalmente os alunos quando, na sua
opinião, cometiam alguma indisciplina. Numa destas ocasiões Naren sentiu tal
rebeldia ante a brutalidade do mestre que, entrando em um estado nervoso,
começou a rir sem controle. O mestre voltou sua ira contra Naren, golpeando-o
repetidas vezes e obrigando-o a prometer que nunca mais riria dele. Como
Narendra se negava, o mestre redobrou seus golpes, o levantou, pegando em uma
orelha e o fez sentar-se em um banco. A orelha começou a sangrar profusamente.
Ainda assim, Naren se negou a prometer o que ele pedia e numa explosão de choro
disse: “Não arranque minhas orelhas. Quem é você para tocar-me? Tenha muito
cuidado com o que faz e não se atreva a pôr as mãos em mim!”.
Afortunadamente, nesse momento entrou
na sala o Pandit Vidyasagar. Naren, chorando amargamente, lhe contou o
acontecido e pegando seus livros, disse que não voltaria mais para a escola.
Vidyasagar o levou a seu gabinete e o consolou. Uma investigação posterior
sobre as medidas disciplinares que se praticavam no instituto, deu como
resultado que não se repetiria esse lamentável incidente. Quando Bhuvaneshwari
Devi soube do que havia acontecido, com grande desespero pediu a seu filho que
não voltasse à escola, mas ele, no dia seguinte, foi para a sala de aula como
se nada tivesse acontecido. O ferimento da orelha levou bastante tempo para se
curar.
Ainda nessa tenra idade, Naren omitia-se
de tudo o que fosse superstição ou infundisse temor. O seguinte incidente
revela esta sua tendência. Na casa de um amigo havia uma enorme árvore na qual
Naren trepava, se balançava em um galho bem alto e logo dava um salto no chão.
Desta maneira gastava sua energia física.
Estas brincadeiras incomodavam
Ramratan Bose (avô de Swami Virajananda), um ancião cego. Para por fim na
situação disse a Naren que na árvore havia um fantasma vestido de branco – um
Brahmin não iniciado – que quebrava o pescoço de quem subia na árvore. Naren o
escutou pacientemente, mas quando o ancião se afastou, voltou a repetir suas
acrobacias. Seu amigo, que havia tomado ao pé da letra as palavras do avô,
advertiu Naren do perigo, mas Naren, rindo de sua credulidade, disse: “Você é
um tolo! Se a história do fantasma fosse verdade, faz tempo que teria separado
minha cabeça do corpo!”.
Estas suas palavras, num certo
sentido, foram antecipações do que declararia mais tarde diante de grandes
audiências: “Não acreditem em algo porque leram em um livro, ou porque outros
tenham dito. Busquem a verdade por si mesmos! Isso é a realização!”.
Naren se aborrecia com a monotonia.
Organizou uma companhia vocacional de teatro que representava peças no hall de
sua casa. Pouco tempo depois, seu tio se cansou disso e destruiu o cenário.
Então Naren levantou uma academia de ginástica no pátio da casa onde, com seus
amigos, fazia seus exercícios físicos. Tudo transcorreu bem até que, um dia, um
primo seu machucou o braço. Novamente o tio demonstrou sua antipatia e, desta
vez, destruiu os acessórios da academia. Então Naren começou a freqüentar com
seus amigos o ginásio de um vizinho, Navagopal Mitra e teve lições de esgrima,
luta, remo e outros esportes. Numa ocasião ganhou o primeiro prêmio em uma
competição atlética e, para descansar, de vez em quando organizava em sua casa
uma exibição com a lanterna mágica.
Naren era o favorito de todos, fosse
de casta inferior ou superior. Se algum menino sofria alguma desgraça, ele era
o primeiro a consola-lo. Sua agudeza e práticas divertiam a todos, incluindo
certas pessoas maiores, sérias e pouco amigas de brincadeiras. Era também o
favorito entre as mulheres que viviam atrás do “Purdah”, as quais se dirigia
respeitosamente como “tia” ou “irmã”, de acordo com a idade. Naren nunca
conheceu a timidez e onde quer que fosse, se sentia como em sua própria casa.
Durante esse tempo, lhe ocorreu a
idéia de aprender a cozinhar; para isso fez uma promoção entre seus amigos para
que se inscrevessem, cada um de acordo com seus meios, enquanto ele se
encarregava da maior parte dos gastos. Ele era o chefe de cozinha e os outros
eram seus ajudantes. Sua cozinha era excelente, se bem que extremamente
picante.
Naren costumava levar seus amiguinhos
para conhecer distintos lugares interessantes de Calcutá, fosse um jardim, o
Monumento Ochterlony ou o museu. Um dia, ao voltar do jardim zoológico de
Matiabruz, um subúrbio de Calcutá, um dos meninos sentiu-se mal e vomitou no
barco. Os barqueiros, furiosos, ordenaram que eles limpassem o lugar. Eles de
negaram e ofereceram, em troca, pagar duas passagens, mas a oferta não foi
aceita. Ao chegar ao cais, não lhes foi permitido desembarcar. Imediatamente
Naren pulou para a margem e como ele era o menor de todos, o deixaram ir. Aos
poucos passos encontrou dois soldados britânicos e com as poucas palavras em
inglês que sabia, lhes pediu ajuda para resgatar seus amigos.
Os soldados o escutaram tranqüilamente
e quando conseguiram compreender a situação, com voz calma ordenaram aos
barqueiros que libertassem os meninos. Eles, ao verem os soldados, se
assustaram e sem qualquer protesto, os deixaram desembarcar. Os soldados
estavam fascinados com Naren e o convidaram a ir com eles ao teatro, mas Naren
não aceitou o convite e assim que agradeceu a ajuda, despediu-se deles.
Narremos outro episódio encantador que
aconteceu quando Naren tinha 11 anos. Na ocasião da visita de Eduardo VII à
Índia, como Príncipe de Gales, o cruzeiro britânico “Syrapis” encontrava-se
ancorado no porto de Calcutá. Os amigos de Naren o comissionaram para que
conseguisse uma permissão para visitar o barco.
Era importante para ele ver um
importante oficial inglês. Quando Naren se apresentou com a solicitação na mão,
o oficial que fazia a guarda na entrada do edifício, vendo que era um menino,
não o permitiu entrar. Naren ficou parado, sem saber o que fazer, quando
observou que os solicitantes que passavam diante do oficial da entrada, se
dirigiam a uma sala do primeiro andar. Imediatamente se deu conta de que era
nesse escritório onde deveria ir para obter a permissão. Conseqüentemente,
procurou outra maneira de entrar no edifício e viu que havia uma escada. Subiu
até o primeiro andar e logo se encontrou dentro do escritório. Então ocupou seu
lugar na fila dos peticionários e quando chegou sua vez, lhe deram a permissão
sem perguntar nada. Quando passou frente ao oficial da entrada, este,
assombrado, lhe perguntou: “Como conseguiu entrar?”. “Oh, muito fácil! Sou um
mago”.
Um dia Naren e seus amigos estavam
armando um trapézio no ginásio de Navagopal Mitra, mas não tinham a força
necessária para levantar a pesada armação de madeira. Muitas pessoas observavam
a situação, mas ninguém se oferecia para ajuda-los. Narendra viu que, entre
eles, havia um marinheiro inglês bem forte e o convidou a ajuda-los. O
marinheiro, muito gentil, se aproximou deles e lhes disse que levantassem a
parte superior com uma corda e pessoalmente começou a colocar os postes nas
covas. Logo a corda se rompeu e a armação veio abaixo. O marinheiro recebeu um
tremendo golpe na cabeça e caiu desmaiado, enquanto, do ferimento, vertia
sangue abundantemente.
Todos os presentes – menos os rapazes
– escaparam assustados, pensando que o homem estava morto e que logo chegariam
os agentes e os levariam a todos. Narendra, por sua vez, rasgou seu dhoti, fez
com ele uma atadura, a molhou com água e a colocou sobre o ferimento. Abanou-o
e tratou de faze-lo voltar a si. Quando o marinheiro recobrou a consciência,
Naren e os outros garotos o levaram para um colégio próximo; chamaram um
médico, que chegou rapidamente e examinando o ferido, disse que não era grave e
que sararia em poucos dias. Narendra o atendia pessoalmente. Quando o
marinheiro conseguiu andar, alguns cavaleiros do bairro arrecadaram um pouco de
dinheiro e um coche e o mandaram para seu barco. Ouvimos vários outros casos
que demonstra a calma e inteireza de Naren, em meio às dificuldades.
Naren andava sempre em busca de
companhia. Seu instinto o mantinha longe dos caminhos duvidosos do mundo. A veracidade
era a sustentação fundamental de sua vida. Ocupado durante o dia na invenção de
muitos jogos, passava suas noites em meditação e como conseqüência, logo foi
beneficiado com divinas visões.
Ao aproximar-se a adolescência, houve uma mudança notável e definida
em seu temperamento. Começou a manifestar preferência pela intelectualidade, a
leitura de livros e jornais e a assistir regularmente a conferências públicas.
Era capaz de sintetizar o conteúdo do que ouvia com tal sentido crítico, que
todos ficavam assombrados. Ao mesmo tempo desenvolveu um poder de argumentação
sem paralelo.
Um dia, depois de ouvir cantar um amigo, lhe disse: “O entoar e seguir
compasso, não é tudo na música; é necessário expressar a idéia. Não é possível
apreciar um canto, se o canta com monotonia. A idéia subjacente no canto deve
surgir do sentimento do cantor; as palavras devem ser pronunciadas claramente e
prestar a devida atenção à melodia e ao ritmo. O canto que não desperta na
mente do cantor a idéia correspondente, não é música”.
No ano de 1877, quando Naren era estudante da terceira série, seu pai
teve que se mudar, por questões profissionais, para a cidade de Raipur, na
Índia Central. Como sua estadia seria prolongada, chamou sua família e Naren
foi encarregado de leva-la. Tinha então 14 anos. Naquela parte do país não
havia estrada de ferro; a travessia tinha que ser feita em um carro de bois e
para chegar ao seu destino, tinha que atravessar um espesso bosque povoado por
animais selvagens. Esta viagem durava 15 dias de marcha lenta.
Apesar da viagem estar longe de ser um prazer, Narendra nos dizia que
a maravilhosa beleza do bosque fazia esquecer todos os incômodos. Esta foi a
primeira vez que sentiu, profundamente em seu coração, a manifestação do
infinito poder e amor dAquele que, por Sua própria vontade, tinha revestido a
terra com tanta beleza.
Nos dizia Narendra: “O que vi e senti, atravessando este bosque e o
que aconteceu um dia, ficou gravado em mim para sempre. Marchamos margeando a
cordilheira de Vindhya. De ambos os lados, os enormes picos se elevavam para o
céu; diversas árvores gigantescas, carregadas de flores e frutas, cobriam os
sopés dos outeiros e o canto misturado dos pássaros pairava no ar como uma
música divina. Este panorama inolvidável me fez sentir uma espécie de paz que
até então não havia experimentado”.
“Lentamente a caravana de carros chegou a um lugar onde dois enormes
picos pareciam abraçar-se. Observando detidamente, descobri que, na encosta de
um desses picos, havia uma enorme gruta. Nessa gruta havia uma grande colméia
que, falava-se, dependia do trabalho de milhões de abelhas durante várias
décadas. Extasiado, mergulhei na história da vida das abelhas até que minha
mente se perdeu completamente na percepção do infinito poder de Deus, que cria
e dirige este universo. Durante algumas horas, perdi toda consciência externa.
Quando recobrei a consciência normal, já havíamos percorrido vários
quilômetros. Como viajava em um dos carros, ninguém percebeu minha
experiência”. Possivelmente esta tenha sido sua primeira concentração profunda
alcançada em sua frondosa imaginação.
Há aqui outro fato que
ele descreveu assim: “Desde minha infância, cada vez que me punha em contato
com algum objeto particular, com alguma pessoa ou lugar, tinha a impressão de
que já o conhecia. Mas todos meus esforços para lembra-los acabavam por serem
inúteis; mesmo assim a impressão persistia”.
“Darei um exemplo: me encontrava com meus amigos em um lugar
particular. Logo alguém disse algo que me fez recordar que, em algum tempo
passado, nessa mesma casa, eu tinha conversado com esses amigos sobre o mesmo
tema e que a discussão havia tomado exatamente a mesma direção. Mais tarde
pensei que se deveria à lei da transmigração, mas logo senti que esta conclusão
não era definitiva, nem racional. Agora creio que, antes de nascer, devo ter
tido visões desses temas e das pessoas com quem entraria em contato em meu
presente nascimento. Essa recordação persistiu, uma vez ou outra, durante toda
a minha vida”.
Em Raipur não havia escola. Isto oportunizou Narendra a se aproximar
de seu pai, um grande privilégio, pois Vishwanath tinha uma mente nobre. Eles
mantinham longas conversas sobre temas que exigiam profundidade, sensatez de
pensamento e precisão.
Vishwanath deu a seu filho plena liberdade intelectual, com a
convicção de que a educação é um estímulo para o pensamento e não uma
sobreposição de idéias. Narendra deve a seu pai sua capacidade para captar o
essencial em todas as coisas; para ver a verdade do mais amplo e conciso ponto
de vista e para descobrir e manter-se no ideal de qualquer discussão.
Naren era fisicamente perfeito. Já na sua adolescência, se vislumbrava
seu régio porte que fez dele, anos mais tarde, uma figura notável e
excepcional, onde quer que fosse. Além disso, tinha começado a discriminar a
escolha de seus amigos, não aceitando quem não se encontrasse no mesmo nível
intelectual que ele.
Muitos eruditos importantes visitavam seu pai. Naren ouvia suas
discussões e ocasionalmente intervia. Naqueles dias ele buscava, exigia o
reconhecimento intelectual de todos e de cada um. Se alguém não reconhecia seus
poderes mentais, apoderava-se dele uma ira da qual não se salvavam nem os
amigos de seu pai. Seu pai não aprovava seus arroubos, mas no íntimo de seu
coração, sentia orgulho da agudeza mental e o profundo sentido de
auto-valorização de Naren.
Vishwanath voltou à Calcutá com a família em 1879. Depois de algumas
dificuldades devidas a sua longa ausência, Naren conseguiu reintegrar-se. Seus
mestres o adoravam e não haviam esquecido de seus dotes excepcionais, o que
facilitou sua reingresso. Desde esse momento, Naren se dedicou a seus estudos,
fazendo três anos em um, para ingressar no exame da primeira divisão. Foi o
único aluno do colégio que alcançou essa distinção. Como recompensa, seu pai
lhe presenteou com um relógio.
Quando Naren foi aprovado no exame de ingresso, já seu conhecimento se
havia enriquecido consideravelmente. Havia dominado muitas obras de literatura
em inglês e em bengali e lido muitos textos de história da Índia por autores
tais como Marshman e Elphinstone. Como conseqüência, prestava muito pouca
atenção aos textos que abria, pela primeira vez, na véspera do exame. Uma vez
disse: “Dois ou três dias antes exame de ingresso, descobri que não sabia nada
de geometria. Estudei o tema durante toda a noite e em 24 horas, cheguei a
dominar os quatro tomos dessa matéria”.
Nesse tempo adquiriu o seguinte poder: “Me acontecia – declarou ele
mesmo – que podia compreender um autor sem ler o livro pauta por pauta. Compreendia
seu conteúdo lendo somente a primeira e a última linha de cada parágrafo. À
medida que este poder se desenvolvia, não tinha a necessidade de ler os
parágrafos; me bastava ler a primeira e a última linha de cada página. Ademais,
quando um autor discutia sobre um tema, o qual consumia 4 ou 5 páginas até
esclarecer devidamente, eu podia captar o rumo de seus argumentos somente lendo
as primeiras linhas”.
Capitulo IV
VIDA DE ESTUDANTE –
TENDÊNCIAS
O período feliz da infância, com suas inocentes alegrias e pesares, chegava ao seu fim para Narendra e uma nova vida amanhecia para ele quando, em 1879, com a idade de 16 anos, foi aprovado no exame de ingresso para a escola superior. Fisicamente vigoroso, ágil, esbelto, denotava certa tendência a desenvolver.
Vemos agora Narendra como um brilhante estudante, dotado de uma grande força intelectual. Durante um ano, foi aluno do Colégio Presidencial; logo ingressou no Instituto Geral, fundado pelo Corpo Missionário Escocês, conhecido hoje como Colégio da Igreja Escocesa. O intenso estudo prévio ao exame de ingresso, agregado ao seu ascetismo, alquebraram sua saúde e, por conseqüência, sofreu um abalo nervoso.
Foi a Gaiá para uma mudança de ambiente e logo voltou à Calcutá, poucos meses antes do exame das Primeiras Artes, em 1881. Foi nesse período que viu, pela primeira vez, em novembro de 1881, Sri Ramakrishna Paramahamsa.
É interessante saber em que circunstância ouviu falar, pela primeira vez, em Sri Ramakrishna. Nesse tempo, era diretor do Instituto o Prof. William Hastie; um dia, na ausência do prof. de inglês, ele se encarregou da aula de literatura. Começou a explicar o poema de Wordworth, “Excursão”, no qual o autor se referia ao estado de transe e o vislumbre de tal estado, enquanto contemplava as belezas da natureza. Os alunos não compreendiam nada. Então o prof. lhes disse: “Tal experiência é o resultado da pureza da mente e da concentração sobre um objeto particular. Isto é muito pouco comum, especialmente nestes dias. Eu vi somente uma pessoa que experimentou este bendito estado mental: ele é Ramakrishna, o Paramahansa, de Dakshineswar. Poderão compreender se forem lá e o virem com seus próprios olhos”.
Esta – repetimos – foi a primeira vez que Naren ouviu o nome de seu futuro Mestre e não por intermédio do Brahmo Samaj, do qual era membro.
Naren não se limitava ao estudo dos programas. Durante os dois primeiros anos de sua vida estudantil adquiriu uma profunda compreensão de todas as obras mestras de Lógica Ocidental. Em seu terceiro ou quarto ano, se dedicou a estudar e dominar a Filosofia Ocidental e também a História Antiga e Moderna das nações da Europa.
Naren continuava dependendo de sua prodigiosa memória. Faltando um mês para seu exame de Bachelor of Arts, não havia lido nenhuma página da História do Povo Inglês, de Green, um texto obrigatório. Conseguiu um exemplar e resolveu não sair de seu quarto até não haver aprendido todo seu conteúdo. No terceiro dia dominava todo o texto. Antes de cada exame, lia durante toda a noite, tomando fortes doses de café e chá para manter-se desperto.
No dia do exame, encontramos Naren em um estranho estado de ânimo. Sem sentir-se preocupado com o exame, sua mente estava saturada com a idéia da inutilidade de todo conhecimento que não despertara nele o desejo pela Realidade que nasce do amor de Deus. O vemos separado de seus companheiros, absorto, quase em êxtase, seu rosto radiante, cantando as primeiras linhas do canto “Somos como crianças” e este hino de louvor.
Canta, Oh montanhas, Oh nuvens, Oh vento;
Canta, canta Sua Glória!
Sóis, luas e estrelas; canta todos
Com alegria!
Canta, canta Sua Glória!
Até as nove da noite, Narendra continuou cantando e conversando com seus companheiros. Um amigo o fez lembrar que, no dia seguinte, teria que prestar exame, mas Narendra não lhe fez caso. Já amanhecia em sua alma a grande renúncia. Não obstante, se apresentou ao exame no dia seguinte e foi aprovado.
Durante 4 ou 5 anos estudou música vocal e instrumental com Ahamad Khan e Beni Gupta, dois renomados músicos. Chegou a dominar vários instrumentos musicais, embora se destacasse no canto. Do mestre maometano aprendeu canto em hindi, urdu e persa, a maioria devocionais. Mais tarde escreveu um cuidadoso prefácio sobre a ciência e a técnica da música hindu para um livro de cantos em bengali, compilado por um de seus amigos.
No colégio, Naren atraiu a atenção dos professores, tanto hindus como ingleses, que reconheciam sua mente ambiciosa e os poderes latentes de sua personalidade. O diretor W. Eastie disse: “Narendra Nath é um gênio. Tenho viajado por todo o mundo, mas nunca conheci um jovem com seus talentos e possibilidades, nem sequer nas universidades alemãs, entre os estudantes de filosofia. Não há dúvida de que sua vida será de muito êxito”.
Naren argumentava sobre todos os temas e durante os momentos de descanso continuava a discussão iniciada na aula. Era veemente, vigoroso, de uma energia inesgotável e seus tópicos de conversação não tinham fim. Nesta etapa de sua vida experimentou uma maravilhosa transformação psicológica. Nascido idealista e buscador da Verdade, não ficava satisfeito com as satisfações mundanas, tão superficiais. Ele queria rasgar o véu da natureza, ao mesmo tempo em que seu coração buscava a solução. Sob a superfície de sua mente consciente corria a impetuosa corrente do desejo intenso pela Realidade que o fez pressentir, desde seus mais tenros anos, que sua vida seria diferente das do resto da humanidade.
Mesmo assim, Naren continuava a ser um jovem como todos os outros. Seguia sendo amante da aventura e era sempre o primeiro o ver o lado humorístico de uma situação. O incidente, como o que relataremos a seguir, demonstra a intensidade de seu carinho por seus amigos.
Nas vésperas dos exames, um amigo seu encontrava-se em tão má situação, que não podia pagar a inscrição do exame. Naren intercedeu ante o superintendente do colégio, que tinha o poder de isentar o pagamento, mas ele não concedeu. No dia seguinte, Naren resolveu fazer outra intervenção e esperou num lugar onde o superintendente teria que passar. Foi tão vibrante e emotiva a súplica de Naren, que o superintendente lhe concedeu o pedido e o amigo pôde fazer o exame sem nenhuma dificuldade.
A recordação de um amigo seu nos dá uma idéia da solicitude de todos eles para com Naren. Disse: “Era uma delícia escuta-lo; sua voz era como uma música. Constantemente o atraíamos para a discussão de um tema, só pelo gosto de ouvi-lo. Era excepcionalmente atrativo e original”. Detestava toda a espécie de debilidade. Era grande admirador de Napoleão e nos inculcava a idéia de que os seguidores de todas as grandes causas deviam obediência incondicional similar a que Marshal Ney demonstrou para com seu imperador”.
Neste período de sua vida, Naren começou a se interessar pelos acontecimentos do momento, especialmente nas atividades do Brahmo Samaj. As salutares idéias do Brahmo Samaj contrastavam com o estado deficiente da sociedade hindu e seu líder, Keshab Chandra Sem, o ídolo da juventude de Bengala.
Mencionaremos brevemente os princípios básicos do movimento de Brahmo Samaj.
O renascimento de uma nação traz acopladas as dores de todo nascimento em suas etapas de reforma, na luta por uma nova visão que busca sua expressão e no desejo conservador da velha tradição. De encontro a essas duas forças, surgem os reformadores e os reacionários. O Brahmo Samaj é a expressão externa de um esforço por libertar-se e, ao mesmo tempo, de conservar o instinto de evolução da raça hindu. Veio à existência com o despertar do intelecto de um ilustre reformador, Raya Ramacham Roy, homem de intelecto gigantesco, vontade férrea e a coragem e o prestigio necessários para fazer frente aos ataques de todos os males que ameaçavam a nação. Era suficientemente amplo, como para compreender que, se o hinduismo queria sobreviver, seria às custas de muitas reformas religiosas e sociais. Mais tarde, Naharshi Debendra Nath Tagore e Keshab Chandra Sem, converteram-se em seus mais poderosos seguidores e a eles se deve a vida do movimento, que ficou assegurada.
Este movimento refutava certas formas e conceitos do hindu ortodoxo tais como o politeísmo, a adoração a imagens, a Encarnação Divina e a necessidade de um Mestre (guru). Em seu lugar oferecia uma religião monoteísta. Em seu aspecto social, a reforma significava o rompimento do sistema de castas: a consciência da casta, o reconhecimento da igualdade do homem, a educação e emancipação das mulheres e a abolição do casamento na infância.
Esta tremenda tarefa, que eles impuseram a si mesmos, requeria uma paciência sem limite e muita sabedoria. O Brahmo Samaj carecia não só dos meios para levar adiante estas reformas, mas também do reconhecimento indiscutível de que toda reforma deve provir de dentro. Em outras palavras, toda imposição externa está destinada a perder a influência duradoura.
Não é de assombrar que este movimento cativava a imaginação da juventude de Bengala. Em Naren, levantou-se um tumulto de pensamentos e sentimentos que o levaram a considerar o Samaj – e cujas reuniões comparecia – como a instituição ideal para resolver os problemas da vida individual ou nacional. Ele, por sua vez, também reprovava a rigidez do sistema de castas; não simpatizava com o politeísmo, nem com a adoração das imagens.
Naren aderiu a causa com toda a veemência e era seu mais íntimo desejo chegar a possuir a força de pensamento, a profundidade de sentimento e o magnetismo pessoal de Keshab, o qual exercia uma tremenda influência sobre seus seguidores.
Em 1878, uma séria desavença no Brahmo Samaj e alguns de seus membros encabeçados por Pandit Shivanath Shastri e Vijay Krishna Goswami, formaram uma nova sociedade chamada Sadharam Brahmo Samaj. Naren se identificou com a nova organização – seu nome ainda figura nos registros dos primeiros membros.
Nesse tempo, Naren ingressou também em um movimento para a educação das massas sem restrição de casta, credo ou cor. Sua intensa paixão pela liberdade fazia com que se identificasse com tudo o que prometesse a libertação dos métodos desatualizados e se afastasse de tudo o que pudesse interferir no alcance de uma visão mais ampla. Queria saber o “porquê e o como” de todos os fatos, fossem mentais ou espirituais.
O traço proeminente de Naren era a pureza. Como todos os jovens, estava exposto a influências de natureza duvidosa. As oportunidades eram muitas, mas a influência de sua mãe se fez sentir aqui; com relação a Narendra, ela havia feito da pureza um assunto de lealdade a ela e a família. Além disso, havia “algo” que, em momentos de perigo, o fazia retroceder – como ele mesmo disse mais tarde. A pureza se converteu no molde mediante o qual se julgariam os ideais e visões da alma e Deus.
A pureza era a sustentação de todo pensamento e sentimento. Sentia que, sem a vida espiritual, seria impossível. Não se tratava de uma resistência passiva ao mal, mas uma paixão ativa e angustiante; uma força espiritual ardente, relacionada com todas as formas de vida muito mais além do meramente sexual. Brahmacharya – castidade em pensamento, palavra e obra – era seu ideal para os estudantes – um Brahmacharya de duro trabalho intelectual, combinado e governado por grande pureza pessoal. A preparação da mente e do coração, para alcançar a visão que as escrituras prometiam aos que se mantivessem fiéis a esse ideal.
Nesse tempo, o pai de Naren começou a perturba-lo para que pensasse em seu casamento. Com esse propósito o fez conhecer a tentadora perspectiva de um importante dote, que o permitiria ir a Inglaterra e apresentar-se como candidato ao exame do Serviço Civil. Narendra recusou a oferta com toda a firmeza. Por mais estranho que possa parecer, cada vez que tratavam de formalizar seu casamento, surgia alguma dificuldade imprevista ou os fatos tomavam tal rumo, que os obrigavam a repensar o assunto.
Enquanto isso, o chamado interior se fazia cada vez mais imperioso. Como todos os membros do Brahmo Samaj, Naren acreditava em Deus sem forma e com atributos – diferente do Absoluto da Advaita Vedanta (o monismo), porém contrário aos demais, ele estava convencido de que, se Deus realmente existisse, Ele seguramente apareceria diante de Seu devoto em reposta a seus sinceros rogos. Sentia que havia algum modo de realiza-Lo. Caso contrário, a vida não teria sentido.
Na fase inicial de sua juventude, cada vez que se dispunha a dormir, infalivelmente apareciam, diante de seu olho mental, duas visões opostas: uma delas lhe mostrava a vida de conforto, dos sentidos, de riqueza, poder, nome e fama e o amor de uma casta esposa. Em resumo, a vida do mundo. A outra visão era a de um monge errante, sem nenhuma posse, absorto na consciência da Divina Realidade, vivendo com o que o destino lhe trouxesse: alimentado-se exclusivamente do que obtinha mendigando e dormindo sob o céu estrelado ou em um bosque.
Naren se sentia capaz de realizar ambos os ideais e muitas vezes se via neles, porque sentia que os dois estavam dentro de si. Porém, quanto mais se interiorizava nestas idéias, mais forte se tornava a imagem da renúncia e mais empalidecia a do mundo. O ser espiritual de Narendra mantinha incólume sua supremacia, preferindo a renúncia ao desejo, como único caminho para alcançar a Visão Divina.
A atmosfera intelectual do Brahmo Samaj o satisfez durante certo tempo; sentia-se elevado durante as orações e os cantos devocionais. Mesmo assim, começou a surgir nele a idéia de que sua meta era realizar Deus e com seu ingresso no Brahmo Samaj, não havia progredido em absoluto neste sentido; que todas as filosofias e os Vedas eram somente propósitos para descrever o indescritível e que acabavam por ser inúteis, se não conduziam aos pés do Senhor.
Em seu intenso desejo por conhecer a Verdade, um dia foi visitar Maharshi Debendra Nath Tagore, considerado por muitos como um dos mestres espirituais mais notáveis. Naren e alguns de seus amigos foram vê-lo antecipadamente e, nessa ocasião, ele havia lhe aconselhado praticar meditação intensamente.
Naren se apresentou ante o Maharshi, que vivia sozinho em um barco sobre o Ganges e sem nenhum preâmbulo, lhe fez uma inquietante pergunta: “Senhor, viu Deus?”. O Maharshi, incapaz de responder, lhe disse: “Filho meu, você tem os olhos de um yogui”.
Naren se afastou desiludido. Não; o Maharshi não tinha visto Deus. Aonde ir, então? Foi quando lembrou-se de Sri Ramakrishna, que havia visto uma única vez na casa de seu devoto Surendra Mitra, em novembro de 1881 e que o havia convidado para cantar. O Mestre tinha se sentido muito atraído por Naren, tinha feito algumas perguntas sobre ele e até o havia convidado para que fosse a Dakshineswar.
Então Narendra decidiu ir a Dakshineswar com Surendra Mitra e lhe fazer diretamente sua infatigável pergunta: “O senhor viu Deus?”.
Mais adiante relataremos o que aconteceu nessa ocasião e qual foi a resposta de Sri Ramakrishna. Este encontro proporcionou um novo capítulo na vida espiritual de Narendra.
Capítulo V
SRI
RAMAKRISHNA
O Ajuste é a Lei da natureza, tanto no domínio espiritual, quanto no material. Por uma lei inescrutável, Oriente e Ocidente atuam em dois campos: um, o domínio do espírito e outro, o domínio da matéria – ambos para a gloriosa manifestação do ideal, para o qual toda a humanidade se dirige por meio da ciência, da filosofia, da metafísica e da religião.
O Ocidente se dedica à investigação e descoberta da natureza do material; o Oriente, desde tempos imemoriais, tem direcionado suas experiências para o espiritual, com o propósito de descobrir as leis que regem o reino do espírito. Ambos os ideais são necessários para o progresso da humanidade e seu futuro está em sua mútua cooperação e entendimento.
No século XIX, este ajuste se fez necessário no campo espiritual. As idéias materialistas se encontravam no ápice de sua glória e poder. Dominava o mundo material um desenfreado avanço não inspirado nos mais elevados idealismos. O Ocidente perseguia obstinadamente os prazeres mundanos e o Oriente havia caído de seus eternos ideais.
Privada do espírito de renúncia, a Eterna Religião dos Vedas havia se fragmentado em seitas conflitantes. O mundo esperava a vinda de um Ser, cuja mente purificada de todo vestígio mundano revelasse, mais uma vez, as grandes verdades subjacentes em todos os sistemas religiosos do mundo; um Profeta, cuja vida harmonizasse os ideais religiosos – aparentemente contraditórios – e todos os ideais nacionais e sociais das distintas raças e nacionalidades unindo, assim, a humanidade, mediante os laços de amor e da tolerância em uma só irmandade.
Nesse momento crucial na história do mundo, o Senhor, fiel a Sua promessa de que, cada vez que a virtude declinasse e prevalecesse a irreligião, Ele Mesmo Se personificaria, Se encarnaria; como Sri Ramakrishna combinando, em uma só personalidade, o maravilhoso amor e compaixão de Buda e Cristo, com o agudo intelecto de Shankara, para demonstrar o que é a verdadeira religião.
Em Kamarpukur, uma remota aldeia de Bengala, em 18 de fevereiro de 1836, nascia uma criança de humildes pais Brahmines. Os moradores veneravam este casal como verdadeiros santos. A criança recebeu o nome de Gadadhar. Criado num ambiente puro e simples de uma aldeia rural, já em sua infância manifestou certos traços notáveis. Comenta-se que, ao ouvir um canto religioso ou uma discussão sobre temas religiosos, costumava entrar em um elevado estado de espiritual. Quando seu pai faleceu, a família ficou em uma situação econômica angustiante. Ramkumar, seu irmão mais velho, mudou-se para Calcutá, onde abriu uma escola e pouco tempo depois, uniu-se a Gadadhar. Foi ali onde, pela primeira vez, Sri Ramakrishna – nome pelo qual Gadadhar se tornou famoso no mundo inteiro como o grande Profeta – entrou em contato com as idéias modernas.
Seu irmão tratava, por todos os meios, de despertar nele o interesse pela educação secular, mas Gadadhar, que já sentia que havia nascido para um propósito particular bem definido, se perguntava: “Alcançarei a devoção, amor e divino fervor, dedicando-me a esta educação? Chegarei a ser tão respeitado e dedicado a Deus como meu pai? Poderei realizar Deus e escapar da ignorância e dos atrativos do mundo sensório?”. A cada pergunta, no mais íntimo de se coração surgia a mesma resposta: “NÃO”. “Então prefiro permanecer ignorante toda minha vida e seguir o caminho de Deus, sem abandonar meus elevados ideais”.
Ante a insistência de seu irmão, Gadadhar lhe disse categoricamente: “Irmão, não quero uma educação que só serve para se ganhar o pão. Prefiro adquirir a sabedoria que iluminará meu coração alcançando a plenitude para sempre”.
Justamente nesse tempo uma piedosa dama hindu, de grande riqueza e influência, de nome Rani Rasmani, fundou um templo à Kali, em Dakshineswar, a umas quatro milhas (6 Km) de Calcutá, na margem oriental do Ganges. Seu genro, Mathura Nath Biswas, era administrador de todas as suas posses. Ramkumar foi convidado a ocupar o cargo de sacerdote do templo. Ele aceitou o oferecimento e se instalou no recinto do templo. Seu irmão, Gadadhar, foi viver com ele. A proximidade do sagrado Ganges, a quietude e solidão do ambiente do templo, em contraste com o rebuliço da cidade e sobretudo a viva presença da Divina Mãe Kali, acalmou a mente do jovem com um forte desejo pela realização de Deus, produzindo nele uma notável transformação.
O jovem se converteu em um devoto; o devoto se tornou asceta; o asceta se transformou em santo; o santo se converteu no homem de realização, que deu origem ao Profeta; o Profeta mergulhou na Divina Natureza que é Deus e, finalmente, ele se converteu em SRI RAMAKRISHNA. E tudo isto aconteceu num espaço de tempo de doze anos! É impossível dar uma idéia de seu intenso desejo pela realização, de sua total renúncia aos prazeres mundanos, de sua sinceridade, devoção única e êxtase, tudo o que caracterizou este período de sua vida.
Sri Ramakrishna ignorava totalmente os mandamentos das escrituras e as complicadas práticas religiosas e não recebeu ajuda externa alguma, nesta etapa de sua vida. Tudo o que ele possuía era a intensa ansiedade do menino por ver sua mãe. Passava o dia em adoração, oração e canto; da hora do amanhecer ao crepúsculo, passava lentamente pelas margens do Ganges, absorto na contemplação da Divina Mãe e passava suas noites em profunda meditação. Enquanto ao seu redor tudo era frivolidade, ele ardia, noite e dia, neste fogo consumidor por Deus. A visão da Divina Mãe se converteu na única paixão de Sri Ramakrishna, porém, não A havia realizado. Assim se passaram vários meses, sem que seu intenso desejo diminuísse.
A agonia de seu intenso desejo pela visão da Divina Mãe ia aumentando. Ao entardecer, podiam ouvi-lo clamar, às margens do Ganges: “Outro dia se passou em vão, Mãe e não A vi. Outro dia se passou e não realizei a Verdade”. Por alguns momentos, as dúvidas assaltavam sua mente e dizia: “Mãe, é verdade que a Senhora existe, ou é tudo ficção sem nenhuma realidade? Se a Senhora existe, então por que não posso vê-La? Ou é a religião que é só uma fantasia, um castelo de areia”. Este asceticismo era momentâneo; como um relâmpago, cruzava pela sua mente a vida e as lutas dos que haviam sido abençoados com a visão de Deus e assim reconfortado, redobrava seus esforços.
Houve um dia em que o sofrimento se tornou tão insuportável, que resolveu por um fim em sua vida, já que sem a visão de Deus era inútil viver. Imediatamente pegou uma espada que estava pendurada no templo da Mãe, disposto a tirar a vida. Nesse momento, a Divina Mãe, iluminando tudo com seu esplendor, revelou-Se ante ele. Ramakrishna caiu inconsciente e não soube de mais nada. Em seu interior fluía constantemente uma felicidade inefável, desconhecida até então. Depois desta visão, Sri Ramakrishna ficou embriagado de Deus.
O período que se seguiu em sua vida está pleno de incidentes estarrecedores de natureza espiritual. Tinha visões extraordinárias de um novo reino ilimitado e permanecia num estado de consciência superior a normal. Nesses momentos entrava em comunhão com seres invisíveis e desconhecidos. As pessoas diziam que estava louco.
Apesar de ter sido abençoado com a visão da Divina Mãe, Sri Ramakrishna não se sentia feliz, pois a visão não era constante. Sua sede insaciável reclamava uma visão total e absorvente que ocupasse todo seu coração. Redobrou, com renovada energia, sua luta e rogos à Divina Mãe. Na medida em que suas realizações se aprofundavam, sua visão da Mãe começou a ser constante; a imagem do templo desapareceu e em seu lugar apareceu a Mãe, sorridente e o abençoou. Ainda sentia Seu alento quando aproximou sua mão e quando Ela subia ao andar superior do templo, escutava o som tilintante de seus braceletes. Gradualmente, a separação entre ele e sua Divina Mãe foi se desvanecendo e ele se converteu em Seu abençoado filho.
Agora, sua mente e seu sistema nervoso palpitaram com a mais elevada Realidade, sem a menor resposta ao estímulo mundano. A consciência do sexo foi totalmente apagada de sua mente. Em uma oportunidade, Mathura Nath concebeu secretamente a idéia de tenta-lo, mas ele, a personificação da pureza e autocontrole, passou por todas as provas sem se contaminar. Ele mesmo dizia que nem em sonhos tinha visto na mulher outra coisa que a visível representação da Divina Mãe.
O choque que lhe produziu a primeira visão da Divina Mãe foi tão forte que, por um tempo, seu corpo sofreu de várias enfermidades. Seus parentes se sentiam preocupados com sua saúde e a pedido de sua mãe, regressou a Kamarpukur. Com o propósito de atrair sua mente para o mundo, a família arranjou seu casamento com uma menina da aldeia próxima. Ele, sem vacilar, aceitou o fato, vendo nisso a vontade da Divina Mãe.
Essa temporada em Kamarpukur tornou-se muito benéfica para a saúde, mas tão logo regressou a Dakshineswar, mergulhou novamente em suas lutas, esquecendo a sua mãe, esposa e demais familiares.
A partir desse ponto, serão selecionados alguns dos
mais importantes trechos até o final da quarta obra, que darão um vislumbre, em
ordem cronológica, dos principais acontecimentos.
Capítulo VI
O TOQUE DO MESTRE
As encarnações são portadoras de uma mensagem especial para o mundo. Sentindo compaixão pelos sofrimentos e pesares da humanidade, o Senhor encarna neste mundo, aceitando uma aliança temporária – por assim dizer – com a Todo-poderosa-Maia, Seu próprio Poder inescrutável.
Na Encarnação Divina, este véu de Maia é translúcido. Sabe, desde seu nascimento, qual é a missão especial que terá que cumprir no e para o mundo. Depois de uma intensa sádhana de alguns anos, o véu se rasga e seu ser real resplandece em todo o seu esplendor.
Desde esse momento, seu poder se torna irresistível; revoluciona o mundo. Sua presença emana espiritualidade, seu olhar e seu toque fazem milagres. Uma Encarnação está composta de puro Sattwa (luz e sabedoria), e essa mesma natureza não lhe permite produzir um efeito massivo sobre a humanidade. Necessita de outra personalidade dotada com o elemento “Rayas” (atividade), que seja capaz de captar suas idéias e espalha-las pelo mundo.
O inescrutável poder divino, que faz descer o Senhor como uma Encarnação, por sua vez projeta um ser “complementar” para o cumprimento de sua missão. Quando chega o momento, a Encarnação o espera e quando o encontra, o prepara para ser transmissor de seu Evangelho.
A história espiritual demonstra a verdade disto. Rodeado de muitos discípulos e devotos, Cristo escolheu Pedro como a rocha sobre a qual colocou os fundamentos de Sua Igreja. Sri Krishna tinha Arjuna, Buda a Ananda, Gouranga a Nityananda. Para Sri Ramakrishna, quem Ele escolheu como “complementar” foi, sem sombra de dúvida, Narendra Nath.
Em seu primeiro encontro, Sri Ramakrishna reconheceu imediatamente, em Naren, aquele que transmitiria sua mensagem ao mundo. Por meio de seu Nirvikalpa Samadhi, Sri Ramakrishna tinha alcançado o poder de identificar-se com a mente cósmica, na qual este universo surge e desaparece como uma borbulha no oceano. Passado, presente e futuro, não tinham segredo algum para ele. Conhecia os acontecimentos do passado, cuja crônica está escrita nas páginas da natureza, como também os fatos do futuro. Sri Ramakrishna conhecia perfeitamente o número de seres dedicados que tinham nascido especialmente para cuidar dele e o alcance que teria o auxílio de cada um deles.
Sri Ramakrishna era o coração da Índia Ancestral, com sua espiritualidade, seu ascetismo e suas realizações: a Índia dos Upanishads. Naren chegou a ele com todas as dúvidas e o ceticismo da era moderna, muito pouco disposto a aceitar as elevadas verdades da religião, sem verifica-las previamente. Ainda assim, com um desejo abrasador pela Verdade dentro dele, Naren tinha de aprender que a razão é o melhor instrumento, no mundo relativo, mas que não se pode ir mais além, para nos conduzir ao reino de Absoluto, onde mora a verdade da religião.
O resultado do contato destas duas grandes personalidades, Sri Ramakrishna e Narendra Nath, foi Swami Vivekananda, que se converteria no coração de uma Nova Índia enriquecida, ampliada e fortalecida: os antigos ideais assimilando uma nova perspectiva espiritual. A intensa atividade do Ocidente se combinaria com a profunda meditação do Oriente, e o asceticismo e a solidão seriam compensados pelo trabalho e serviço aos demais. Da unificação destas duas correntes, nasceu o neo-hinduismo, a fé em um glorioso Amanhã, no qual tudo será alcançado e nada será negado.
Do ponto de vista pessoal, o encontro destes dois grandes seres, foi extraordinário. Reproduziremos brevemente o relato que fez Sri Ramakrishna, na primeira visita do futuro Swami Vivekananda:
“Narendra entrou neste quarto pela porta ocidental. Vinha um tanto desalinhado, completamente indiferente ao mundo exterior. Seus olhos revelavam uma mente introspectiva, como se parte dela estivesse sempre concentrada em alguma coisa interior. Me surpreendeu encontrar uma alma tão espiritual, na atmosfera materialista de Calcutá.
“Estendeu um tapete no chão e sentou-se no lugar que agora está o jarro com água do Ganges. Os amigos que o acompanhavam eram jovens comuns. A meu pedido, Naren cantou alguns cantos bengalis. Um deles começava assim:
“Oh mente minha! Volta a sua própria morada.
Por que vaga como um estranho
Nesta terra estrangeira?”.
“Colocou tanto sentimento neste canto, que não pude me controlar e entrei em estado extático. Logo se retirou. Deste momento em diante comecei a sentir uma terrível agonia por voltar a vê-lo. Por alguns momentos a dor era tão insuportável, que parecia que estava retorcendo meu coração, como se faz com uma toalha molhada. Ia a um lugar solitário e com toda minha voz, clamava: ‘Oh, meu querido, vem a mim! Não posso viver sem lhe ver!’. Depois de algum tempo, me senti melhor. Este estado continuou por seis meses. Chegaram outros jovens pelos quais me senti atraído, mas não com a intensidade que sentia por Narendra”.
Narendra, por sua vez, ficou também profundamente comovido, nessa primeira visita ao Mestre. Mais tarde, embora com certa reserva, disse a alguns de seus amigos: “Cantei uma canção e, ao terminar, ele se levantou e me levou pela mão à varanda norte, fechando a porta atrás de si. Ficamos sozinhos. Pensei que me daria alguma instrução em particular, mas para minha surpresa, começou a chorar de felicidade, com minha mão entre as suas. Com grande ternura me disse: “Ah, quanto demorou a chegar! Por que me manteve nesta angústia durante tanto tempo? Meus ouvidos estão quase queimados de tanto escutar coisas profanas das pessoas mundanas. Quanto ansiava em aliviar minha mente falando com alguém que apreciasse minhas íntimas experiências!”. Em seguida parou diante de mim, juntando as mãos e disse: “Senhor, eu sei que você é aquele antigo Rishi Nara – a Encarnação de Naraiana – nascido na terra para tirar o sofrimento da humanidade, etc., etc.”.
“Me senti muito perturbado por sua conduta. Quem era este homem a quem vim ver? Deve estar louco. Porque quem sou seu, senão o filho de Vishawanath Datta; de que maneira se dirigiu a mim! Fiquei quieto e deixei que ele continuasse falando. Subitamente foi ao quarto e voltou com doces, açúcar candy e manteiga e começou a me dar de comer com suas próprias mãos. Eu lhe dizia: por favor, dê-me e eu compartilharei com meus amigos, mas ele respondeu. ‘Eles comerão depois’. Em seguida, tomando-me as mãos, me fez prometer que voltaria sozinho para vê-lo muito logo. Ante sua insistência, disse que sim e voltei com ele ao quarto”.
A todos os devotos que o rodeavam, dizia: “Observem como resplandece em Naren a luz de Saraswati, a Deusa da Sabedoria”. A todos os que o escutavam, era estranho que o Mestre se expressasse assim e, mais ainda, que visse tão profunda espiritualidade nesse jovem.
Uma vez Sri Ramakrishna lhe perguntou: “Vê uma luz antes de dormir?”. “Sim senhor” – respondeu Narendra. O Mestre exclamou: “Ah, sim, é verdade! Narendra é um Dhyana Siddha – um nascido perfeito na meditação”.
Continuando com suas recordações, Naren costumava dizer, referindo-se aquele dia: “Me sentei e comecei a observa-lo. Não encontrei nada de anormal em suas palavras, movimentos e conduta para com os demais. Por suas palavras de espiritualidade e estados de êxtase parecia ser um homem de verdadeira renúncia. Além disso suas palavras e seu modo de vida concordavam. Sua linguagem era tão singela, que me fez pensar se este homem podia ser um grande mestre. Logo me aproximei dele e lhe fiz minha eterna pergunta: “Senhor, viu Deus?”. “Sim, O vejo como vejo você, só que de uma maneira mais intensa. Deus pode ser realizado; alguém pode vê-Lo e falar com Ele, como eu estou fazendo consigo. Mas... por que isso lhe interessa? As pessoas choram por esposa e filhos, riqueza e poder, mas quem chora por Deus? Se alguém chora sinceramente por Ele, com toda segurança Ele se manifestará”.
Narendra continuou: “Isso me impressionou. Pela primeira vez encontrava um homem que ousava dizer que havia visto Deus; que a religião era uma realidade que podia ser sentida de uma maneira muito mais intensa do que sentimos o mundo. Eu não pude deixar de acreditar em suas palavras, fruto de suas profundas realizações. Ainda assim eu não podia conciliar suas palavras com sua estranha conduta para comigo. Cheguei a conclusão de que se tratava de um louco. Mesmo assim, não podia deixar de reconhecer a magnitude de sua renúncia. Pensava: ‘Pode ser que seja um louco, mas só uns poucos afortunados podem ter semelhante renúncia. Mesmo sendo louco, é o mais santo de todos os santos e só por isso merece a reverente homenagem da humanidade’. Com estes pensamentos contraditórios prosternei-me diante dele e lhe pedi permissão para retirar-me”.
Apesar de Naren considera-lo louco, não conseguia conciliar esta opinião com o estranho sentimento de felicidade que o invadiu, quando se sentou perto do Mestre. É que ali tudo era único: os devotos que o adoravam, os inexplicáveis êxtases do Mestre, a atmosfera de pureza, suas palavras, etc. Tudo isto deixava Narendra perplexo, o que não lhe permitia aceita-lo como mestre. Preferia que as preocupações de sua vida diária não lhe deixasse tempo livre para cumprir com sua promessa de repetir a visita.
Transcorrido um mês, Naren decidiu ir sozinho, a pé, ao jardim de Dakshineswar. Transcreveremos o relato deste encontro transcendental, que o próprio Naren fez a alguns de seus irmãos-discípulos:
“O trajeto me pareceu muito longo; não tinha idéia da distância que havia entre Calcutá e Dakshineswar, dado que na primeira visita tinha ido de coche. De qualquer maneira cheguei e fui diretamente ao quarto do Mestre. Estava sozinho, sentado em seu pequeno divã. Ficou muito contente de me ver e com todo seu carinho, me pediu para que sentasse ao seu lado. Imediatamente ficou embargado de emoção. Murmurando algo para si mesmo e com seus olhos fixos em mim, lentamente foi se aproximando e, subitamente, colocou seu pé direito sobre meu corpo.
“Esse toque produziu em meu interior uma sensação desconhecida. Com os olhos abertos vi que as paredes e tudo o que havia no quarto giravam rapidamente para logo se desvanecer em nada; todo o universo, em conjunto com minha individualidade, estava por mergulhar em um vazio que tudo abarcava. Senti um medo espantoso, pensando que estava diante da morte, perdendo toda a minha individualidade.
“Incapaz de me controlar, gritei: Que estás fazendo comigo! Tenho meus pais em casa! – Rindo as gargalhadas, passou suavemente suas mãos em meu peito e disse: ‘Muito bem, o deixarei agora. Tudo acontecerá no seu devido tempo’.
“O mais maravilhoso de tudo isto foi que tão logo disse estas palavras, essa estranha experiência se desvaneceu. Me senti sendo eu mesmo novamente e todas as coisas dentro do quarto voltaram ao seu lugar. Tudo isto aconteceu em pouquíssimo tempo. Assombrado, pensava como pode ser possível esta experiência, que chegou e desapareceu pelo desejo deste homem maravilhoso. Rejeitei a idéia de que se tratava de mesmerismo ou hipnose, pois estes atuam unicamente sobre mentes débeis e eu me jactava de ser bem o contrário. Como não queria submeter-me a sua personalidade – mais forte que a minha – preferi seguir pensando que era um louco. Então... a que poder misterioso se devia essa súbita transformação em mim? Pensei que se tratava de um enigma e que seria melhor não querer compreender. Mesmo assim decidi ficar em guarda e não lhe dar outra oportunidade para exercer sua influência sobre mim.
“No momento seguinte pensava: como pode ser um lunático um homem que faz pequena uma mente tão forte e firme como a minha? No entanto, me encontrava em um dilema sobre a verdadeira natureza da minha experiência e da real natureza deste homem extraordinário, puro e simples como uma criança. Minha mente racional recebeu um duro golpe, ao não julgar o verdadeiro estado das coisas. Eu resolvi desvendar este mistério.
“Pensamentos desta índole ocupavam minha mente todo o dia. Mas logo após aquele incidente incompreensível, ele se comportou como um homem normal, como na primeira ocasião, tratando-me com grande carinho e cordialidade. Sua atitude para comigo era a de um homem que encontra um velho amigo ou parente, depois de uma longa separação. Me atendia e cuidava de mim em todos os sentidos. Este tratamento pleno de amor, me atraiu mais a ele. Quando lhe pedi permissão para retirar-me – estava escurecendo – pareceu entristecer-se e me deu sua permissão, depois de prometer-lhe que voltaria tão logo me fosse possível”.
Pouco tempo depois, Narendra visitou o Mestre em Dakshineswar pela terceira vez, com a firme resolução de não se deixar influenciar por ele. Mesmo assim, desta vez as coisas não foram muito melhores que as anteriores. Sri Ramakrishna o levou para passear no jardim adjacente de Yadu Mallik. Entraram na sala e se sentaram. Em um momento Sri Ramakrishna, em um certo estado espiritual, tocou em Narendra. Apesar de todas as suas precauções, Naren ficou totalmente abobado e perdeu toda consciência exterior.
Quando recobrou a consciência, viu que o Mestre estava passando sua mão sobre seu peito. Naren não tinha a menor idéia do que havia acontecido nesse lapso de tempo; no entanto o Mestre soube de muitas coisas com respeito a Narendra.
Referindo-se a este incidente, mais adiante disse o Mestre: “Enquanto estava neste estado, lhe fiz várias perguntas sobre seus antecedentes, onde vivia, de sua missão neste mundo e da duração de sua vida mortal”.
“Ele mergulho em si mesmo e respondeu claramente a todas as minhas perguntas, o que confirmou o que eu tinha visto e inferido sobre ele. Mediante este grande segredo, soube que ele era um rishi, que havia alcançado a perfeição, um mestre na meditação e que o dia em que conhecesse sua verdadeira natureza, deixaria o corpo mediante um ato de vontade, pelo caminho de Yoga”.
Vamos narrar as revelações que o Mestre teve antes da chegada de Narendra a Dakshineswar. Ele mesmo fez esta descrição:
“Um dia vi que minha mente havia se elevado a um plano muito alto em samadhi, ao longo de um caminho luminoso. Logo transcendeu o universo estelar e entrou na região mais sutil das idéias. A medida que ascendia mais e mais vi, em ambos os lados do caminho, formas ideais de deuses e deusas. A mente, então, alcançou o limite daquela região, onde uma barreira luminosa separava a esfera da existência relativa, do reino transcendental, onde não é visível nenhum ser corpóreo. Nem os deuses ousam aproximar-se deste reino sublime e ficam satisfeitos em manter suas posições inferiores. Logo vi sete veneráveis sentados ali, em samadhi. Me ocorreu que estes sábios deveriam ter superado não somente os homens, mas também os deuses, em conhecimento e santidade, renúncia a amor.
“Logo vi que uma porção naquela região luminosa indiferenciada, se condensava a forma de um divino menino, que colocou carinhosamente seus bracinhos ao redor de um dos rishis e com voz doce, tratou de baixar sua mente ao estado de samadhi. O mágico toque despertou o rishi de seu estado supra-consciente e com seus olhos semi-cerrados fixou seu olhar sobre esse maravilhoso menino.
“Seu rosto resplandecente demonstrava que o menino devia ser o tesouro de seu coração. Pleno de felicidade, o menino lhe disse: “Vou descer. Tu tens que vir comigo”. O rishi permaneceu em silêncio, porém seu terno olhar expressou seu consentimento e, contemplando o menino, paulatinamente foi entrando novamente em samadhi. Logo observou que uma fração de seu corpo e mente estava descendo à terra, na forma de uma luz fulgente.
“Tão logo como vi Narendra, reconheci nele aquele rishi”.
Em outra ocasião Sri Ramakrishna, em uma visão, viu um raio de luz que cruzava o céu de Benares até Calcutá. Com grande felicidade exclamou: “Meu rogo foi concedido e ‘meu homem’ chegará a mim”.
É evidente que a incapacidade de Naren para compreender o que aconteceu nesta última visita, deveu-se a vontade do Mestre, ao considerar que era melhor que seu discípulo não conhecesse demasiado cedo o estado mais elevado; o jovem não estava preparado ainda para ele e podia sentir-se aterrorizado.
Quando Naren entrou em samadhi, o Mestre rompeu as correntes subconscientes da natureza de Narendra pela força – por assim dizer – no canal supra-consciente, produzindo uma grande e verdadeira * * * em sua mente. Assim, pouco a pouco, Naren começou a considerar Sri Ramakrishna não como um louco, mas como o único ser humano realmente desperto. Não obstante, continuava sendo um enigma para ele as palavras de Sri Ramakrihna durante a primeira entrevista. O conhecimento do rol que ele representaria no drama colocado em cena por Sri Ramakrishna, lhe chegou mais tarde por diversas provas e tribulações.
* * *
Depois de uma análise exaustiva das realizações do Mestre e de seu sistema de vida, Naren dedicou-se, de corpo e alma, à tarefa de realizar Deus, aceitando voluntariamente o conselho e ajuda que satisfaziam sua razão.
Naren era um ascético. Não acreditava nos deuses hindus e zombava dos muitos preceitos das escrituras hindus. Não era fácil calar as exigências de sua mente racional. No começo, tudo foi obscuridade – uma espantosa obscuridade intensificada por uma tremenda angústia. Embora quisesse ver, as trevas se tornaram mais lúgubres, a ponto de chegar a perguntar a si mesmo se não andaria na casa de fantasmas. Nesse momento, a Verdade, como a tênue luz do amanhecer, começou a perfilar-se, dando-lhe nova força e esperança. Mesmo assim, não satisfeito, exigia a verdadeira visão.
No oceano da Realidade, Naren era nascido marinheiro e seu instinto de navegante o mantinha firme. Tinha fé de que o conhecimento divino viria como uma medalha de ouro de todas suas lutas e sofrimentos.
Sri Ramakrishna amou e compreendeu Narendra e a causa de todas estas lutas; ele mesmo teve que passar por terríveis cataclismos que, se bem que tinham sido na alma e não na mente, como no caso de Naren – nem por isso eram distintas em sua causa e intensidade. Viu que o intelecto de Naren, pela profundidade de seu desejo pela Verdade, sempre duvidaria. Mas também viu que, no final, triunfaria, transcenderia todas as limitações e se converteria em um gigante espiritual. E com infinito amor e paciência, continuou guiando-o e instruindo-o.
Dali em diante, a vida de Naren tomou o caminho da perfeição na Santidade. A medida em que transcorria o tempo, sua mente se tornava mais e mais luminosa. O que cativava sua atenção, estava em seu coração e em seu próprio ser. Aproximava-se o momento em que sua alma resplandeceria com a glória da lua cheia. Em que alcançaria as mais elevadas possibilidades da consciência mística, onde a alma e a Suprema Realidade são reveladas como uma Unidade perfeita e indistinta.
Naquela imperativa pergunta de Narendra a Mahaerhi Devendra Nath, “Já viu Deus?”, vemos o despontar do sol de sua vida espiritual.
Embora o intelecto e a dúvida reinassem, as vozes do despertar, que se aproximavam, foram ouvidas. Até que finalmente irrompessem no momento histórico da gloriosa presença de Sri Ramakrishna – o Sol da Verdade.
Capítulo VII
GURU E
DISCÍPULO
A história da vida de Narendra, a partir do ensinamento espiritual de Sri Ramakrishna, deve ser relatada em termos de idéias e realizações. Jamais o relacionamento entre ri Ramakrishna e Narendra poderá ser conhecida em seus mais íntimos detalhes. Tão profundo e secreto era o amor e respeito entre estes dois seres, que os discípulos de ambos os consideravam como duas almas em uma, porque o pensamento de um implicava no pensamento do outro.
A relação Ramakrishna-Vivekananda estava totalmente isenta do mais leve vestígio de mundanidade. O crescimento espiritual do discípulo teve início com sua pergunta: “Senhor, viu Deus?” e culminou quando o espírito do Mestre, antes de deixar o corpo, desceu sobre o discípulo. Esta relação serviu a um magno e impessoal propósito: o renascimento da religião dos Vedas e a prática do Moderno Evangelho a toda a humanidade.
Todos os Grandes Mestres que realizaram a mais elevada Verdade espiritual, quando encontram um discípulo apto, se sentem ansiosos por faze-lo participante dessa Verdade. Sri Ramakrishna sabia das grandes potencialidades espirituais que em Narendra teriam que amadurecer, apesar das influências do tempo, como o comprovamos diante seu terror de perder sua individualidade, quando o Mestre tratou de leva-lo ao Nirvikalpa Samadhi.
Sri Ramakrishna, com muito humor, uma vez disse a Narendra, ao referir-se a este incidente: “Um homem morreu e se transformou em um fantasma. Ansioso por ter um companheiro, cada vez que sabia que alguém morria, se apresentava com a esperança de faze-lo seu companheiro mas, para sua grande desilusão, tal alma estava liberada em virtude de algum ato virtuoso. Tal é o meu caso. Tão logo te vi, pensei que havia encontrado um amigo, mas tu disseste que tinha teus pais em casa! Por conseqüência, vivo só, sem um companheiro, como o fantasma da história”.
Se Naren deixava de ir a Dakshineswar durante alguns dias, o Mestre se sentia desconsolado, tão profundo era seu amor por seu amado discípulo. Chorava diante da Divina Mãe e rogava que o trouxesse ao seu lado. Os outros devotos não compreendiam nada... e Narendra tampouco. Por momentos pensava que o mestre sofria de alucinações e em outros, ficava subjugado pelo carinho do Mestre e o reconhecia de todo coração. Foi realmente o amor do Mestre que manteve Narendra a seu lado, até que lhe foi possível aprecia-lo intelectualmente. Algo ‘o sustentava’, por assim dizer. Naren expressou isso deste modo: “É seu amor por mim o que me ata a ele”.
Fazia vários dias que Narendra não aparecia em Dakshineswar. Um dia dois devotos, Randaial e Saburan foram visitar o Mestre, que lhes disse: “Faz muito tempo que Naren não vem. Eu estranho muito, preciso vê-lo. Por favor, lhe pediria que venha o quanto antes? Não esquecerão?”. Randaial ficou para passar a noite com o Mestre. Por volta de 23 horas, quando todos tinham se retirado para dormir, Sri Ramakrishna, com suas roupas sob o braço apareceu diante dos dois jovens e disse a Randaial: “Está dormindo?”. “Não, senhor” – respondeu. “Te rogo – prosseguiu o Mestre – diga a Narendra que venha”. Randaial conhecia o comportamento infantil do Mestre e de vários modos o tranqüilizou, assegurando que convenceria Narendra a vir. Essa cena se repetiu várias vezes durante a noite. Os dois jovens não conseguiam compreender a ansiedade do Mestre em ver Narendra.
Um dia Vaikuntha Nath Sanyal, outro devoto de Sri Ramakrishna, o encontrou muito inquieto por causa da prolongada ausência se Narendra. Logo Vaikuntha disse: “O Mestre, neste dia, só teve palavras de elogio para Narendra. Não podendo controlar seus sentimentos, se dirigiu a varanda do quarto clamando: ‘Oh Mãe, não posso viver sem vê-lo. Tanto tenho chorado e mesmo assim, não o vejo! Meu coração não resiste a tanta dor e ele nem se importa”. Em seguida voltou ao quarto e disse: ‘Um homem feito chorando por um garoto! Que pensarão as pessoas de mim? Vocês, aqui, são meus, não sinto vergonha, mas como verá quem não me conhece?’. Assim como era sua dor, era também sua alegria quando chegava Narendra”.
Era o aniversário do Mestre e os devotos o estavam comemorando em Dakshineswar. Por volta do meio-dia, como Naren não havia chegado, o Mestre perguntou por ele a um e outro. Quando finalmente Narendra chegou e se colocou diante dele, o Mestre entrou em profundo samadhi.
Durante os cinco anos de discipulato, Narendra visitou Sri Ramakrishna uma ou duas vezes por semana e ocasionalmente passava alguns dia com ele. Durante os últimos anos, as preocupações familiares não lhe permitiram ir a Dakshineswar com a freqüência que gostaria. Sri Ramakrishna se consolava com este pensamento: “É melhor que Narendra não venha, porque cada vez que o vejo, experimento uma verdadeira comoção de sentimentos. Sua chegada faz da ocasião todo um acontecimento”.
O que mais atraía Narendra em Sri Ramakrishna era sua renúncia, sua pureza e sua constante devoção a Deus. O Mestre, por sua vez, respeitava seu discípulo pela sua inquebrantável fé em si mesmo, sua virilidade e sua total devoção à Verdade.
É impossível, para nós, descrever a fé que tinha Sri Ramakrishna em Naren. As pessoas comuns consideravam essa fé como jactância; sua virilidade como obstinação e sua irremovível adesão à Verdade como demonstração de um intelecto imaturo.
De qualquer modo, as pessoas não podiam compreender sua total indiferença pelos louvores, sua fraqueza infantil e, sobretudo, seu espírito de liberdade e intrepidez de pensamento, palavra e ação.
Sri Ramakrishna, desde o primeiro momento, deu-se conta de que a aparente presunção e obstinação de Narendra eram manifestações de sua confiança em si mesmo e da consciência de seu próprio poder mental incomum, que se traduzia pela sua liberdade de pensamento e obra, seu autocontrole e sua total indiferença ao afago ou a crítica. E tudo isso devido a pureza de seu coração.
O Mestre previu que quando o gênio latente em Narendra alcançasse sua maturidade, o orgulho e a arrogância aparentes se converteriam em amor e compaixão pelos aflitos; sua autoconfiança inspiraria coragem e virilidade nos desvalidos e seu amor pela liberdade mostraria à humanidade o caminho para libertação.
O Mestre considerava Naren e a uns poucos, como Nitya-Siddhas – perfeitos desde seu nascimento. “Qualquer austeridade que pratiquem – dizia – não será porque eles necessitam, mas para o bem do mundo”. Quando alguém censurava Narendra, o reconhecia e dizia: “Que ninguém julgue Narendra. Jamais alguém será capaz de compreende-lo plenamente”. Quando um devoto lhe trouxe a notícia de que Narendra andava em má companhia, Sri Ramakrishna o repreendeu severamente e disse: “Isso não é verdade. A Mãe me disse que Narendra jamais cairá em erro. Se tornar a falar dessa maneira, não te olharei na cara nunca mais”.
Sri Ramakrishna não vacilava em elogiar Narendra na presença de seus devotos. Sabia bem que seus elevados conceitos poderiam despertar orgulho e vaidade nas mentes mais frágeis, mas Narendra estava além dessas pequenezas.
Um dia Sri Ramakrishna estava em seu quarto com Keshab Chandra Sem, Vijai Goswami e outros líderes do Brahmo Samaj. Narendra também estava presente. O Mestre, em um estado exaltado, olhou para Narendra. Uma visão da futura grandeza de Naren cruzou sua mente como um clarão. Quando a reunião terminou, disse a alguns devotos: “Se Keshab possui um sinal de grandeza que o torna famoso, então Narendra tem oito destes tais sinais. Em Keshab e em Vijai, vi a luz do conhecimento, iluminado como a luz de uma vela; mas em Narendra era como o sol dispersando até o ultimo vestígio de ignorância e ilusão”.
Qualquer pessoa se envaideceria ante tal elogio, mas para Naren, o efeito foi totalmente diferente. Considerando-se insignificante, comparado com Keshab e Vijai, protestou diante do Mestre: “Senhor, como lhe ocorre dizer semelhante coisa? As pessoas pensarão que está louco. Como pode comparar Keshab, famoso no mundo inteiro e ao venerável Vijai, com um insignificante estudante como eu? Por favor, não torne a dizer isto!”.
Sri Ramakrishna, muito comovido ao ouvi-lo, disse: “Não posso evitar. Pensa que estas foram minhas palavras? A Divina Mãe me mostrou certas coisas e eu, simplesmente, as disse. Ela jamais me revela algo que não seja a Verdade”.
Narendra não se impressionou pela origem dessas palavras; melhor, duvidou delas e disse: “Como o senhor sabe que essas revelações provêm da Mãe? Não serão fantasias de seu cérebro? Eu, em seu lugar, atribuiria a sua própria imaginação. A ciência e a filosofia ocidental tem demonstrado que, continuamente, somos enganados por nossos sentidos e que há pessoas com maior predisposição a esse estado. Uma vez que o senhor me quer e sempre deseja me ver, é muito natural que essas fantasias aconteçam em sua mente”.
Quando o Mestre se encontrava em um estado elevado, não levava em conta as razões de Narendra; mas em outros momentos, sentia-se mal. Então recorria a Divina Mãe e Ela lhe dizia: “Por que se preocupa com o que ele disse? Em poucos dias mais aceitará cada palavra sua como a verdade”.
A sublime opinião de Sri Ramakrishna serviu para dar a Narendra grande força de vontade e inspiração, especialmente nos anos seguintes, quando Swami Vivekananda pregaria sua grande mensagem ao mundo.
Em uma ocasião, se passaram vários dias sem que Narendra aparecesse em Dakshineswar. Sri Ramakrishna, com grande ansiedade, mandou lhe chamar, mas Naren não foi. Então o Mestre foi a Calcutá e pressentindo que se encontrariam no serviço vespertino do Brahmo Samaj, foi diretamente para lá. O Mestre tinha visitado muitas vezes o Samaj e conhecia intimamente muitos de seus membros principais. Já estava acontecendo o serviço quando ele chegou. Ao vê-lo, o pregador interrompeu sua prédica e todos dirigiram sua atenção ao recém chegado. Sri Ramakrishna, completamente alheio a comoção que tinha causado sua Presença, avançou para o púlpito e entrou em um estado supra-consciente.
A curiosidade dos ali reunidos foi aumentando e começou a produzir-se uma desordem geral. Alguns dos líderes presentes, culpando Sri Ramakrishna pela recente ruptura entre os dirigentes, causada pela divergência dos pontos de vista de Keshab e Vijai, por sua influência, consideraram sua visita como uma intromissão. Para restabelecer a ordem, apagaram as luzes, mas isto aumentou a confusão e todos se abalaram para a porta de saída.
Naren se encontrava no coro e imediatamente deu-se conta de qual era o motivo da visita do Mestre. Portanto se apressou em salva-lo do perigo, conduzindo-o através da multidão, para a porta posterior de saída, para coloca-lo no caminho de Dakshineswar. Sri Ramakrishna não prestou atenção as reprimendas de Narendra com respeito a sua conduta, nem se sentiu arrependido do seu procedimento.
Narendra disse depois: “Não tive dúvidas em usar palavras duras, reprovando seu cego carinho por mim. Lhe disse que se pensava em mim constantemente, se tornaria como eu, como aconteceu com Rey Bharata, que estava tão apegado a seu pequeno cervo que, na hora da morte, não pensou em outra coisa e, como conseqüência, teve que nascer como cervo. Ao ouvir estas palavras, o Mestre se mostrou nervoso e disse: ‘O que tu dizes é muito certo. Que vai ser de mim! A verdade é que não posso viver separado de ti’. Logo se dirigiu ao templo de Kali, sorrindo. Ao ver-me, disse: ‘Canalha! Não te escutarei nunca mais. A Mãe me disse que eu o amo porque em você vejo o Senhor e que o dia que não O vir mais, não poderei nem sequer olha-lo!’. E, de imediato, descartava tudo o que eu tinha dito”.
Essa era a espécie de amor de Sri Ramakrishna por Narendra e seus outros discípulos: ele tinha dignificado seu relacionamento com todos eles, mais além de todo sentimento humano pessoal.
Em outra ocasião, se referiu a seu relacionamento com Naren e outros jovens, com estas palavras: “Hazrá me corrige quando me sinto ansioso por ver estes garotos e me diz:’Quando vai pensar em Deus?’. Isto me preocupou e disse a Mãe: ‘Hazrá me perguntou por que penso tanto em Naren e outros jovens’. E a Mãe, imediatamente, me mostrou que Ela mesma estava em todas as formas humanas e que Se manifestava especialmente nos corpos que são puros. Quando voltei do samadhi, me senti incomodado com Narendra e pensei: ‘Vejam como este tolo perturbou minha mente!’ Mas logo me disse: ‘Por que me censurou? Como ele pode saber!’”.
O Mestre continuou refletindo: “Considero estes rapazes como a personificação de Naraiana. Quando vi Narendra pela primeira vez, reconheci que ele não tinha consciência do corpo. Assim que o toquei na região do coração, perdeu toda consciência exterior. Gradualmente se apoderou de mim um intenso desejo e disse a Bholanath (um oficial do templo de Kali): Como é possível que sinta dessa maneira, por um jovem de casta Kaiastha? E ele me respondeu: ‘Senhor, está bem. No Mahabharata está explicado que, quando a mente de um homem retorna do samadhi ao plano normal, encontra paz unicamente na companhia de pessoas sátwicas da mais elevada espiritualidade’. Isto me tranqüilizou”.
Uma vez Narendra estava em seu quarto de estudos com alguns amigos. Fazia certo tempo que não ia a Dakshineswar. Logo ouviu uma voz chamando: ‘Naren, Naren!’. Imediatamente todos se colocaram de pé, enquanto Naren desceu apressadamente as escadas para receber Sri Ramakrishna que havia chegado. Com seus olhos cheios de lágrimas, disse a Naren: “Filho meu, por que você não tem ido me ver durante todos estes dias?”. Parecia um menino cheio de inocência e candura. Tinha trazido consigo algumas guloseimas e com suas próprias mãos deu de comer a Narendra.
Que maravilhosos são os modos do Senhor para mostrar o caminho aos sinceros devotos que lutam pela Verdade! O Senhor Mesmo vai a quem O busca, quando este está preparado. “Canta uma de suas canções” – lhe rogou o Mestre. Naren pegou a tampura e cantou uma canção à Divina Mãe. Os amigos guardavam absoluto silêncio. Em poucos minutos, Sri Ramakrishna ficou inconsciente do mundo exterior.
Em uma das primeiras visitas de Naren a Dakshineswar, Sri Ramakrishna lhe disse: “Em você está Shiva e em mim está Shakti. E estes dois são Um”. Neste momento, Naren não pôde compreender o significado de tão profunda declaração.
A Narendra, raramente era permitido prestar algum serviço ao Mestre, tal como abana-lo, massagear seus pés e outros serviços que, supostamente, todo discípulo deve prestar ao seu mestre espiritual durante seu treinamento. É que Sri Ramakrishna via tão intensamente a Divindade, Shiva, em Narendra, que não lhe permitia aceitar nenhum Seva (serviço) dele. Porque Seva é para a purificação do coração. Então, que necessidade tem de Seva alguém cujo coração é puro? Naren, por sua vez, não considerava esta atitude do Mestre como privilégio; ele insistia em seu oferecimento por amor a seu Mestre e por sua humildade; porém o Mestre muito raramente permitia. Dizia-lhe: “Seu caminho é diferente”.
O relacionamento e a atitude de Sri Ramakrishna diferia quase totalmente no trato com os outros discípulos. Com eles observava certas restrições com respeito a comida, meditação, oração, sono e outros detalhes da vida diária. Com Naren, tais restrições não existiam. Dizia: “Naren é um Nitya-Siddha – perfeito em realização desde o seu nascimento e também é Dhyana-Siddha, prático e experiente em meditação. O fogo bramador de conhecimento está sempre ardendo em Narendra e converte em cinzas qualquer impureza que possa conter o alimento; a impureza do alimento jamais pode afetar sua mente pura; ele está constantemente fazendo em migalhas os véus de Maia com a espada do conhecimento. A inescrutável Maia não pode submete-lo ao Seu controle”.
Quando alguém chegava a Dakshineswar com oferendas de frutas ou doces para o Mestre, ele as punha de lado para que seus discípulos não se servissem, até que ele ficasse completamente seguro de que o doador era puro de coraçao. Mas a Narendra ele permitia. Dizia: “A ele, nada pode afetar”. E quando Naren não aparecia em Dakshineswar, o Mestre enviava para ele as guloseimas que tinha recebido.
Assim que almoçava em algum hotel, Naren dizia ao Mestre: “Senhor, hoje comi algo que é considerado proibido”. Sri Ramakrishna, sabendo que isto não era jactância, lhe respondia: “Isso não o afetará; se alguém puder manter a mente em Deus, estas coisas serão tão boas como arroz preparado com ghee. Por outro lado, as verduras que come um homem imerso na mundanidade, não são melhores que porco ou carne de vaca. Que você tenha comido algo proibido, não me incomoda em absoluto, mas se algum dos outros rapazes o tivesse feito, não permitiria que me tocassem”.
Narendra se assombrava com estas discriminações, com respeito ao alimento e a aceitação de presentes e pensou que era superstição ou puritanismo. Mas Sri Ramakrishna insistia, dizendo que quando desprezava certas oferendas, era porque o doador era de caráter ou conduta duvidosos. Isto despertou a curiosidade em Naren e se propôs a averiguar por si mesmo. Observava e estudava o caráter daqueles, cujas oferendas não eram aceitas por ele e comprovou que seu juízo tinha sido correto. Abismado, dizia: “Que homem extraordinário! Sua pureza está além de toda compreensão. É assombroso como pode ler a mente dos outros”.
Sri Ramakrishna se divertia quando Naren entrava em acaloradas discussões com os outros devotos. Naren surpreendia suas mentes, desconcertando-os seriamente com a profundidade de seu conhecimento, quando citava os filósofos do ocidente e oriente. O que Naren manifestava, não era simples erudição livresca; era o Espírito da Sabedoria que falava através dele. A felicidade do Mestre não tinha limite, quando observava que pessoas muito maiores que Naren, não conseguiam derrotar sua poderosa razão.
Como membro do Brahmo Samaj, Naren havia se comprometido a crer em um Deus sem forma com atributos, voltando a espada aos deuses do hinduismo. Em seu entusiasmo, tinha convencido Rakhal – outro dos grandes discípulos do Mestre – para que aderisse a crença de Samaj. Porém Rakhal era um grande devoto, cujo latente fervor devocional estava alcançando as maiores alturas em seu contato com Sri Ramakrishna. Quando acompanhava o Mestre ao templo de Kali, Rakhal se prosternava diante das imagens, as quais estavam em contradição com o credo do Brahmo Samaj e que Narendra conseqüentemente não aceitava.
Um dia Naren o viu entrando no templo e o repreendeu duramente. Rakhal, desde então, evitou encontrar-se com Naren. Então Sri Ramakrishna disse a Naren: “Rogo que não ofenda Rakhal; ele agora o teme porque crê em Deus com forma. Nem todos podem realizar o aspecto sem forma de Deus, desde o início”. Naren compreendeu e nunca mais interferiu nos conceitos religiosos de Rakhal.
Ocasionalmente, Naren manifestava uma forte tendência para o fanatismo. Sri Ramakrishna o aconselhava: “Filho meu, trate de ver a Verdade por todos os ângulos e através de cada aspecto”. Essa intolerância de Naren desapareceu quando realizou a unidade que existe em todo o esforço espiritual e toda crença religiosa. Mesmo assim, continuava argumentando com Sri Ramakrishna sobre a adoração das imagens.
Um dia o Mestre, cansado de faze-lo compreender que a imagem adorada não era outra coisa que o símbolo dos ideais espirituais, lhe disse: “Por que vem aqui, se não quer reconhecer a minha Mãe?”. Naren, valentemente, lhe respondeu: “Por acaso devo aceita-la simplesmente porque venho aqui?”. O Mestre respondeu: “Muito bem. Não passará muito tempo para que você, não somente reconheça minha bendita Mãe, como chorará, repetindo Seu Nome”.
Logo o Mestre comentava com outros devotos: “Este rapaz não tem fé nas formas de Deus e me disse que minhas experiências supra-conscientes são alucinações. Ele não crê em Maia, a menos que tenha uma prova direta. Tem estudado e lido muito e possui um grande poder de discernimento”.
Um dos temas preferidos de discussão entre o Mestre e Naren era o episódio Radha-Krishna, das escrituras hindus. Diante de todos, Naren duvidava da autenticidade histórica da narração e, em segundo lugar, considerava imoral e objetável a relação de Krishna e Radha
Um dia Sri Ramakrishna lhe disse: “Admitamos que a histórica personalidade de Radha não tenha existido e que o relato seja produto da imaginação de algum devoto amante de Deus. Por que não concentra tua mente unicamente no intenso desejo de Radha e as Gopís, por Aquele que é o Supremo? Por que aderir a expressão? Toma como real o intenso desejo pela visão do Divino”.
No íntimo de seu coração, o Mestre se sentia satisfeito com a rebeldia de Narendra, pois sem força e luta intelectual, ninguém pode chegar a iluminação; ademais, suas próprias lutas seriam de grande ajuda no futuro, para compreender e resolver as dificuldades dos outros. Além do mais, as dificuldades de Naren, sua tremenda batalha e a final realização, manifestaria a suprema qualidade do ensinamento de Sri Ramakrishna, que nos revela como a vívida Encarnação do hinduismo.
A idéia do Mestre, desde o começo, tinha sido a de iniciar Narendra nos mistérios da Advaita Vedanta. Com este propósito pedia a Naren que lesse em voz alta as passagens do Ashtávakra Samhita e outros tratados do Advaita, para familiariza-lo com essa filosofia. Para Narendra, firme aderente do Brahmo Samaj, estes escritos parecia uma heresia e, numa franca rebeldia, dizia: “Isto é uma blasfêmia; não há nenhuma diferença entre esta filosofia e o ateísmo. Que desatino pensar de mim mesmo como sendo idêntico ao criador; eu sou Deus, você é Deus, todas as coisas criadas são Deus! Que absurdo! Não há dúvida que os sábios que escreveram semelhante coisa, estavam mal da cabeça!”.
Sri Ramakrishna se divertia com suas explosões e simplesmente lhe dizia: “Se não quiser, não aceite as declarações destes rishis, mas por que insulta-los ou limitar a infinitude de Deus? Continue orando ao Deus da Verdade e creia em qualquer aspecto Seu que Ele lhe revele”. Mas Narendra não se submetia facilmente. Tudo o que não coincidia com sua razão, era considerado falso e toda sua natureza se rebelava contra a falsidade, ao mesmo tempo em que não perdia a oportunidade de ridicularizar a filosofia Advaita.
O Mestre sabia que o caminho de Narendra era o do Conhecimento (Gñana). Por esse motivo continuou falando-lhe firmemente da filosofia Advaita. Um dia decidiu faze-lo compreender a idéia da identidade da alma individual com Brahman, mas sem êxito. Narendra deixou o quarto e, aproximando-se de Pratap Chandra Hazrá, lhe disse: “Como pode ser? Esta jarra é Deus, esta taça é Deus e nós também somos Deus. Que absurdo! Que ridículo!”. Sri Ramakrishna estava em seu quarto em um estado semi-consciente. Ao ouvir as risadas de Naren, saiu com suas roupas sob o braço e lhe disse: “De que estão falando?”. E tocando Narendra, mergulhou em samadhi. O efeito deste toque foi descrito assim, por Naren:
“O toque do Mestre, naquele dia, produziu de imediato uma tremenda transformação em minha mente. Fiquei sem falar, ao comprovar que não havia realmente nada no universo, exceto Deus. Fiquei em silêncio, para observar se a idéia perdurava. Efetivamente, essa impressão não diminuiu nada durante todo o dia. Voltei para casa, mas ali também tudo parecia como sendo Brahman”.
“Sentei-me para comer e vi que tudo – a comida, o prato, a pessoa que me servia e até eu mesmo, tudo era Aquele. Comi um pouco e logo fiquei imóvel. Despertei de minha perplexidade quando minha mãe disse: ‘Termine de comer’. Então continuei comendo, mas todo o tempo em que comia, sentava ou caminhava, tinha a mesma experiência e, ao mesmo tempo, sentia uma espécie de letargia.
“Enquanto caminhava pelas ruas, via que se aproximavam algumas carruagens, mas não sentia o impulso de sair do caminho; sentia que os coches e eu mesmo não éramos compostos da mesma substância. Não tinha sensação alguma de meus membros e pensei que ficaria paralisado. Quando comia, tinha a impressão de que era outra pessoa que comia. Às vezes me deitava no meio do almoço e depois de uns minutos, me levantava e continuava a comer. O resultado disso foi que, algumas vezes comia muito, mas isso não me afetou. Minha mãe estava alarmada e pensava que estava acontecendo alguma coisa grave comigo; temia que não vivesse muito tempo mais.
“Quando este estado diminuiu um pouco, o mundo apareceu ante meus olhos como um sonho. Caminhando por Cornwallis Square, batia minha cabeça contra as grades, para comprovar se eram reais ou somente um sonho.
“Esse estado de coisas prosseguiu durante alguns dias. Quando voltei a normalidade, me dei conta de que havia tido um vislumbre do estado de Advaita e como uma súbita revelação, senti que as escrituras diziam a verdade e não pude negar nunca mais as conclusões da filosofia Advaita”.
Assim era a grandeza dos ensinamentos de Sri Ramakrishna e assim era o treinamento de Naren que, paulatinamente, foi conduzido da dúvida à beatitude; das trevas à luz; da angústia mental à felicidade; do agitado turbilhão do mundo, à infinita expansão da Unidade universal. Pelo poder de Sri Ramakrishna, foi levado da ligação à infinita liberdade, da palidez de uma parca erudição, à onisciência, que é a consciência de Brahman. Foi elevado de toda concepção objetiva da Divindade à gloriosa consciência da natureza subjetiva do verdadeiro Ser; à uniformidade e realidade sobre todo o bem e o mal relativos; à absoluta infinitude de Brahman, além da forma, pensamento e sentidos. O cenário foi a casa-jardim de Cossipore.
O respeito e acatamento de Naren para com o Mestre foram aumentando gradativamente: começava a aceita-lo como o ideal espiritual mais elevado. Repetidas vezes, o Mestre pedia a seus discípulos que pusessem à prova suas realizações: “Prove-me, como faz o agente de câmbio com suas moedas. Não deveis aceitar-me até ter-me provado exaustivamente”.
Um dia em que o Mestre se encontrava em Calcutá, Naren chegou a Dakshineswar e encontrou o quarto de Mestre vazio. Prontamente lhe surgiu a idéia de por a prova sua renúncia quanto ao ouro. Escondeu uma rúpia sob a manta de sua cama e foi meditar no Panchavati.
Sri Ramakrishna voltou a seu quarto e sentou-se na cama. Tão logo se sentou, começou a sentir uma grande dor. Naren, que tinha voltado ao quarto do Mestre, o observava em silêncio. Nesse momento, um assistente revisou a casa e ao retirar a manta, a moeda caiu no chão. Naren deixou o lugar sem dizer uma só palavra. Sri Ramakrishna se deu conta que tinha sido posto a prova e sentiu-se satisfeito.
Os discípulos, por sua vez, eram provados por Sri Ramakrishna. Até Narendra teve que passar por muitos testes, antes que o Mestre o aceitasse. Examinou seu corpo atentamente e logo lhe disse: “Teus ímpetos físicos são bons; percebo somente que você respira muito forte, quando dorme. Os Yoguis dizem que isto é sinal de vida curta”. Em outra ocasião disse: “Seus olhos demonstram que não é um Gñani puro; em você se combinam uma terna devoção e um profundo conhecimento”. Como resultado de suas investigações, Sri Ramakrishna concluiu que Naren possuía um grau excepcional de espiritualidade, intrepidez, controle e espírito de sacrifício; que jamais, mesmo em meio das mais adversas circunstâncias, procederia como um homem comum.
Em uma ocasião, Sri Ramakrishna provou Narendra severamente. Sua presença, em Dakshineswar, culminava de felicidade e emoção o Mestre, mas chegou o dia em que tudo mudou e começou a tratar Narendra com uma total indiferença. Naren chegava, o saudava e se sentava diante dele; esperava um momento, mas o Mestre não o olhava, nem lhe dirigia a palavra. Pensando que ele estaria absorto, Naren deixava o quarto e ia conversar e fumar com Hazrá. Quando ouvia que o Mestre estava conversando, voltava a seu quarto para receber um tratamento pior, pois o Mestre não só não o cumprimentava, como voltava o rosto para o outro lado. Finalmente Narendra, ante a indiferença do Mestre, regressou a Calcutá.
Uma semana mais tarde Naren voltou a Dakshineswar e observou que a atitude do Mestre para com ele não tinha mudado. Então passava o dia conversando com outros devotos e, ao entardecer, voltava para sua casa. Isto se repetiu várias vezes; mas continuava vindo a Dakshineswar, sem o menor sinal de ressentimento. Entre uma e outra visita, o Mestre enviava alguém a Calcutá, para inteira-se de seu estado de saúde, mas na presença de seu discípulo, sua indiferença era total.
Depois de um mês sem que Narendra tivesse a menor reação do Mestre, lhe disse: “Eu não lhe dirijo a palavra, porém você continua vindo. Como é isso?”. Narendra lhe respondeu: “Eu não venho só para escuta-lo; venho porque quero”. Sri Ramakrishna, sumamente satisfeito com sua resposta, lhe disse: “Eu só estava o testando. Somente alguém de eu calibre poderia suportar tanto desdém e indiferença. Qualquer outro teria deixado de vir para sempre”.
Em outra ocasião, o Mestre o levou a Panchavati e lhe disse: “Mediante uma severa disciplina espiritual, se adquire poderes sobrenaturais. Para que eles me servem? Nem sequer posso andar completamente nu. Portanto, com a permissão da Mãe, estou pensando em transmiti-los. Ela me fez saber que você fará muitos trabalhos para Ela; você poderia usar esses poderes no momento oportuno. Que você acha?”.
Narendra sabia que o Mestre possuía poderes. Perguntou-lhe: “Esses poderes me ajudarão a realizar Deus?”. “Não – disse Sri Ramakrishna – mas serão muito úteis quando, depois de realizar Deus, tiver que fazer Seu trabalho”. Naren disse: “Não quero. Deixe-me realizar Deus primeiro; pode ser que eu pense se os quero ou não. Se aceitar agora, poderia esquecer meu Ideal e se os usar com algum fim egoísta, poderia causar-me grande sofrimento”.
Não sabemos se Sri Ramakrishna realmente queria transmitir seus poderes a Naren, ou se estava pondo-o a prova. O que podemos assegurar é que se sentiu bastante satisfeito quando Naren os recusou.
É impossível dar ao leitor uma idéia total e exata da relação entre estes dois seres extraordinários – do intenso amor e total liberdade que Narendra usufruía na companhia do Mestre.
Sri Ramakrishna confiava a Naren os segredos mais íntimos de seu coração. O ajudou a desenvolver uma independência total de pensamento, multiplicando a tremenda fé em si mesmo, que Narendra já possuía, seu respeito pela Verdade e sua inata espiritualidade.
O amor e a fé que o Mestre colocou em Narendra, atuaram como um freio para o grande amante da liberdade, que era seu jovem discípulo, uma vez que isso era uma proteção inconsciente contra todas as espécies de tentações.
Capítulo VIII
PARA A
PERFEIÇAO
O tecido da roupa de uma grande personalidade é um processo único e maravilhoso. Os dias são sua estampa e cada experiência, um de seus fios; o intelecto e o coração, com suas variações, são a trama e a urdidura. Com todos estes elementos, se forja o molde para o despertar da alma.
Ainda assim, a estatura espiritual de um indivíduo e suas realizações da Verdade, dependem totalmente do conhecimento de que sua natureza real é espiritual e de uma completa resolução e vontade para renunciar – se for necessário – a tudo o que significa o mundo, com o propósito de descobrir sua natureza real.
O mandato de renúncia que proclamou Jesus Cristo nas colinas da Judéia “Que benefício tem o homem, se conquista o mundo inteiro e perde sua própria alma?”, foi ouvido séculos antes por aqueles sábios da antiga Índia: “Tudo isto é Maia, o irreal. Só Aquele é Real”.
Um exame da juventude de Narendra nos mostra três fatores primordiais, trabalhando e forjando seu caráter. 1) Sua inata tendência espiritual e sua percepção de sua natureza real. 2) A influência de sua família e de seus estudos. 3) O ensinamento de seu grande Mestre Sri Ramakrishna, que o elevou da infelicidade e do ceticismo, à segurança e à paz.
A influência de sua família – principalmente seus pais – foi profunda e de longo alcance. Sua mãe semeou nele as idéias dos sentimentos nobres, pensamento elevado e ação sem mácula; além disso, lhe transmitiu seu amplo conhecimento das grandes epopéias – o Ramaiana e o Mahabharata – que ele aprendeu sentado em seu colo, enquanto ela os lia ao cair da tarde.
A seu pai se deve sua amplitude da mente, sua ética e seu respeito por todas as tradições nacionais. Vishwanath, sem dúvida, não pode escapar da influência da cultura ocidental, que atuava na Índia no seu tempo. Como resultado ele, como muitos outros, perderam a fé nas sagradas escrituras de sua própria terra e tradição. Vemos, assim, que sua extensão mental o levou a colocar-se em contato com os movimentos intelectuais de seu tempo, todos eles ateus. Não obstante, tudo isto foi positivo quanto a sua influência sobre Naren, pois ao ampliar o alcance de seu saber, dirigiu sua atenção para a cultura de outros países.
Como Swami Vivekananda, sua perspectiva tinha que ser o suficientemente ampla, como para abarcar todas as culturas, as religiões, as filosofias e tudo isso com um extenso sentimento de simpatia e compreensão. A Naren interessava toda espécie de conhecimento, tanto do oriente como do ocidente, fosse filosofia, arte ou ciência. E muito especialmente, lhe atraía a filosofia ocidental.
Em conseqüência, se dedicou ao estudo da filosofia, da ciência, da história e da arte do ocidente, com sua peculiar intensidade, determinado a descobrir e dominar sua substância.
Naren sabia que a maioria dos sistemas filosóficos era diagramas intelectuais que não deixavam lugar para as emoções do homem, asfixiando assim, suas qualidades sensíveis e criativas. Naren não queria diagramas da Verdade, por mais inteligentes que fossem; ele queria A VERDADE. Uma filosofia que não fosse a mãe da ação espiritual, a fonte da energia criadora e o mais elevado e nobre estímulo para a vontade, não é digna de ser levada em conta.
* * *
O místico estava latente nele e sua alma vivaz e varonil, não lhe permitiram deter-se na metade do caminho para o agnosticismo. Estudou os sistemas dos filósofos alemães, especialmente Kant e Schopenhauer. Com John Stuart e Augusto Comte, mergulhou nas especulações místicas e especulativas da antiga escola aristotélica.
Durante algum tempo, refugiou-se no espairecimento da filosofia positivista de Comte, que abarcava uma ampla perspectiva ética.
Encontrava-se, então, em uma total rebeldia contra o sistema social hindu; seus olhos estavam alertas quanto a escravidão em que se encontrava a Índia, sob a autocracia da casta sacerdotal. A rede de casta e credo se tornou intolerável. Este é um estado perigoso, porque existe a possibilidade de apagar e negar todo o sentido moral. Quando os deuses e os deveres religiosos, os ideais ascéticos e espirituais se vão, que poder fica para dominar os turbulentos sentidos? Este foi um período tempestuoso para Naren, que envolvia toda sua colossal personalidade e colossal fé na força de seu ser interno, que o fez suportar esse período. Sua mente foi arrastada para além do obscuro e questionável reino dos sentidos, ao mundo do puro intelectualismo, por sua determinação subconsciente de encontrar uma saída da rede da ignorância e da realidade de sua própria natureza – se é que tal realidade existia – e com o firme propósito de achar o caminho para Deus – se é que Deus existia.
A solução deste problema se converteu em uma necessidade imperiosa. Para uma mente com tendência ao agnosticismo, havia um só caminho. O temperamento místico não pode deter-se em um “eu não sei”. O problema da vida, a busca da Verdade, para um ser dessa natureza, é irresistível. Sua mente é levada por sua própria corrente, a qual, se ele é afortunado, o faz atravessar os perigos da dúvida e do agnosticismo e o conduz são e salvo à realização.
Naren estava perdido em um labirinto, mas seu coração não se extraviava. Se a filosofia não podia ajuda-lo, devia descarta-lo como uma abstração, a qual, por mais atraente que fosse, não era digna de atenção. A ciência empírica não pode transcender o reino do intelecto e dos sentidos, portanto não capacita o aspirante a realizar aquela Realidade Permanente, que é a base e causa de todo o fenomenal.
Naren estava de acordo com a ciência e a filosofia ocidental em sua sentença de que, tudo o que o homem conhece do mundo, é a reação do tempo e do espaço sobre seus sentidos dirigidos a objetos externos e que este mundo permanece para sempre desconhecido e incognoscível. Isto também é assim, quanto a natureza interna do homem: ele não pode jamais conhecer a verdade de sua realidade interior, porque está além das leis do tempo e espaço.
Naren sabia muito bem que os órgãos dos sentidos, a mente e o intelecto são incapazes de resolver o enigma ulterior do universo, porque os sentidos de percepção, nos quais o homem funda suas especulações e teorias, não estão livres do erro e, portanto, não são confiáveis. Os sábios do ocidente falharam totalmente em sua intenção de estabelecer a existência do Ser separado da consciência física e, por conseqüência, fracassaram quanto a uma conclusão final, com respeito a Verdade Última.
No entanto, Narendra sentia um grande respeito pela ciência materialista do ocidente e seu processo analítico, o que utilizava para provar as experiências sobrenaturais de Sri Ramakrishna e aceitar unicamente aqueles que suportavam a prova. Mesmo ansiando intensamente pela Verdade, mesmo assim, não aceitava nada por pressão externa ou por temor. Estava disposto a converter-se em um ateu honesto, se isso fosse o final de toda a racionalização e a renunciar a todas as coisas prazerosas do mundo e até mesmo a sua própria vida, por uma visão da Verdade.
* * *
Suas investigações não se limitavam à filosofia. Fez um curso de medicina ocidental, com o fim de conhecer o funcionamento do sistema nervoso – o cérebro e a espinha dorsal. Tinha paixão pela historia, para conhecer as condições sob as quais os caracteres e êxitos humanos tinham se desenvolvido. A história, para Narendra, era o registro das batidas do coraçao dos séculos, falando das aspirações e alcances das nações do mundo.
A poesia, sendo uma linguagem dos ideais, tinha uma atração irresistível para ele. Wordsworth era, para ele, a estrela polar do firmamento poético. Narendra vivia no mundo dos ideais, onde a história, a filosofia, a poesia e todas as ciências, são consideradas e reconhecidas como fases da realidade. Possuía uma visão profética da erudição, na qual o pensamento é visto como subordinado ao propósito real da vida, sendo o intelecto, o material no qual a alma se nutre e no qual se queima, em seu supremo esforço em ir mais além do intelecto, mais além de todo pensamento.
Narendra, por sua vez, era amante das diversões e se entregava a elas de corpo e alma. Profundamente humano, era querido por todos por causa de suas histórias, sua engenhosidade e seu sentido de humor, o tornava o companheiro favorito.
Em toda sadia diversão, era ele o líder e nenhum passeio ou espairecimento estava completo sem ele. Mesmo assim, jamais permitiu que suas diversões interferissem em seus estudos. Freqüentemente, depois de passar todo dia com seus amigos mergulhava, durante a noite, no estudo de algum tratado filosófico bem complexo, até domina-lo completamente.
* * *
Possuía essa rara qualidade necessária para o alcance da consciência positiva do bem. Aborrecia-lhe toda a intenção materialista e sensorial da vida, apesar de que sua mente, ocasionalmente, submergia-se nas obscuras profundidades do agnosticismo. Considerava que a falta de conhecimento ou a ignorância, não eram uma desculpa para a má conduta.
O instinto monástico era natural nele; ainda assim, era um alegre amante da vida. Gozava da liberdade física de um menino e da força intelectual de um gigante espiritual. O vimos, em uma ocasião, dizer a um amigo, nas vésperas de seu exame B.L: “Não me apresentarei ao exame. Que sentido tem tudo isto! Devo ser livre!”. Desde muito jovem, considerou o matrimônio como um obstáculo para a espiritualidade. Disse a esse mesmo amigo: “Você está casado; está atado à vida do lar. Eu sou livre. Estou seguro que meu caminho é a vida monástica”.
Via a vida como se fosse um sonho. Seu agnosticismo tinha imprimido nele a idéia da pequenez de todas as coisas. Considerava a vida monástica o único meio de protesto contra a falsidade de tudo o mais.
Neste período, o grande obstáculo para a realização final foi seu intelecto. Este tinha que ser silenciado, sem impedir seu crescimento; tampouco o suprimindo, como se faz com os desejos, mas mediante seu desenvolvimento.
Devia enfrentar valentemente as fases da dúvida e da incerteza para chegar a percepção da realidade e preparar-se para penetrar no campo das emoções da vida espiritual. Como Narendra chegou a isto, é um mistério. De que maneira seu intelecto foi iluminado, ninguém sabe. Talvez se deva ao seu contato com Sri Ramakrishna, cujas realizações eram o cumprimento e a solução das dúvidas e da sede intelectual.
As escrituras dizem que aquele que chega a conhecer Deus, conhece o universo inteiro; a natureza não pode esconder seus segredos a essa pessoa. Mas Narendra tinha, no entanto, que andar por certo tempo mais na obscuridade. Havia muitas dificuldades a vencer; muitas dúvidas para esclarecer, antes que ele estivesse em condições de inclinar-se ante um mestre e aceitar seus ensinamentos, sem questionar. Para isso devia lutar por cada polegada do caminho, não aceitando nada, até tê-lo provado e examinado de maneira conclusiva. Cada triunfo se tornava iluminação interior. Durante suas lutas e sofrimentos ele, instintivamente, sentia que, algum dia, a vitória seria sua; que seu latente ser monástico, algum dia, conseguiria vencer sua mente agnóstica e o converteria em um monge triunfante. Narendra era puro de coração. “Os puros de coração verão a Deus” – disse Jesus Cristo.
Para ter uma perspectiva mais clara da personalidade de Narendra e de seu desenvolvimento mental, citaremos as observações de um de seus companheiros de estudo, o Dr. Brajendra Nath Seal, líder intelectual da Índia, publicadas no Prabuddha Bharata, em 1907:
“Conheci Vivekananda em 1881, sendo ambos estudantes e alunos do Principal Willian Hastie, erudito metafísico e poeta do General Assembly’s College. Era um jovem extraordinariamente dotado, sociável, livre e despretensioso, quanto a sua maneira de ser. Cantor de dulcíssima voz, alma dos círculos sociais, brilhante conversador, um tanto mordaz e cáustico, fazia migalhas do teatro e da hipocrisia do mundo, com seu talento cheio de engenhosidade.
“Escondia sob sua mascara de cinismo, um terno coração e, ao mesmo tempo, era um inspirado boêmio, mas com uma vontade de ferro. Falava com autoridade e tinha o estranho poder de manter em suspenso todos os que o escutavam.
“Isto era evidente para todos, mas o que era conhecido por uns poucos, era o homem interior, que se expressava em suas fanfarronices de boêmio e em sua permanente intranqüilidade. Esse foi o começo de um período crítico de sua história mental, durante a qual despertou a consciência de Ser e construiu os fundamentos de sua futura personalidade”.
Capítulo IX
PROVAS E
TRIBULAÇÕES
Naren passava, agora, seus dias em estudo e meditação e freqüentemente ia a Dakshineswar. Vivia em sua casa, num quarto só para ele. Vishwanath Datta, cuja ambição era que Narendra se convertesse em um brilhante advogado, o empregou como assistente de Nimai Charam Bose, um renomado advogado. De qualquer modo Vishwanath estava ansioso por ver seu filho casado. Em várias oportunidades tinha tratado de arranjar seu casamento, mas por uma razão ou outra, as tentativas não prosperaram.
Sri Ramakrishna se opunha firmemente ao casamento de Narendra e rogava a Mãe que isto não chegasse a acontecer; grande era seu alívio, quando os projetos fracassavam, pois sustentava que Naren não havia nascido para o carinho de uma só pessoa, nem para respaldar uma família, mas sim, para salvar almas.
Não obstante, Vishwanath conseguiu fazer arranjos com uma opulenta família de Calcutá, que pagaria um magnífico dote à família de Naren e logo o enviaria à Inglaterra para sua educação. Mas antes que o casamento chegasse a se formalizar, Vishwanath faleceu. Naren, então, converteu-se em seu próprio amo. Sua decisão de permanecer solteiro foi indeclinável – o celibato se tornou, para ele, em um princípio. Quando os membros de sua família o pressionaram para que se casasse ele, com veemência lhes dizia: “Querem afogar-me? Uma vez casado, tudo terá terminado para mim!”.
Naren falava a seus amigos da glória da vida monástica. Eles não compreendiam e, por sua vez, tratavam de dirigir sua atenção para o êxito no mundo. Um amigo lhe disse: “Por que não define seus planos? Você tem diante de si um brilhante futuro no mundo”.
Naren recebeu esta observação com todo desdém e lhe respondeu que, muitas vezes, havia sentido o desejo de adquirir fama, posição, reputação, dinheiro e poder, mas que um pouco de reflexão lhe havia mostrado que a morte chega e leva tudo. Para que, então, adquirir uma grandiosidade que será destruída pela morte? E acrescentava: “Por outro lado, a vida de monge é realmente desejável porque busca destronar o poder da morte; busca uma realidade que não muda, enquanto que o mundo se ocupa e cai sob as condições das mudanças”.
Seus amigos não ficavam convencidos. Entre eles, comentavam que o problema era que Naren tinha conhecido um velho que entrava em êxtase e levava uma vida de monge, nos jardins do templo de Kali, em Dakshineswar, às margens do Ganges. E que esse homem ficava meditando e falando de Deus e que nada sabia do mundo. Esse homem – segundo eles – estava malogrando as ambições de Naren e afastando sua mente dos assuntos mundanos. Desta maneira, estava arruinando seu futuro. Um dia, disseram diretamente a Naren: “Se você tem um pouco de sentido, deixa de visitar esse velho Ramakrishna Paramahansa. Ele está interferindo em seus estudos e terminará por destruir sua vida futura. Você, com seu talento, pode alcançar grandes coisas, se puser nisso sua vontade e deixar de ir a Dakshineswar”.
Naren respondeu, com toda sinceridade: “Vocês não compreendem... nem eu mesmo compreendo! E embora não o compreenda, mesmo assim, amo profundamente esse velho, esse santo, Sri Ramakrishna”.
Se Narendra não ia a Dakshineswar durante alguns dias, o Mestre o visitava em Calcutá e lhe dava instruções a respeito da meditação e outras práticas espirituais. Temia que Naren, sob a pressão e o assédio de seus parentes, terminasse por aceitar a ligação do matrimônio. O animava a levar a estrita vida de Brahmacharia, dizendo-lhe: “O homem desenvolve um poder sutil, como resultado de uma ininterrupta observação do voto de celibato durante doze anos. Então chega a compreender e captar coisas muito sutis, impossíveis de alcançar por seu intelecto. Através dessa compreensão, o aspirante pode obter a direta revelação de Deus: unicamente essa pura compreensão pode capacita-lo para realizar a Verdade”.
As mulheres da família chegaram a conclusão de que a aversão de Narendra pelo matrimônio provinha de sua intimidade com Sri Ramakrishna. Referindo-se a isto, Naren disse, mais tarde: “Um dia minha avó conseguiu escutar o que o Mestre me dizia sobre a eficácia da vida celibatária. Imediatamente ela repetiu a meus familiares que, ante a possibilidade de que eu renunciasse ao mundo, redobrassem seus esforços para me casar. Minha mãe era a mais ansiosa, pois temia que eu abandonasse a família para tomar os votos monásticos. Insistentemente ela tocava no assunto, mas eu dispersava uma resposta concreta”.
“Todos esses planos para meu casamento se frustraram pela poderosa vontade do Mestre. Numa oportunidade, quando todas as negociações tinham sido estabelecidas, surgiu uma diferença insignificante de opinião e o compromisso ficou anulado”.
Naren prestou seu exame para o B.A. em 1884. Poucos dias depois do exame, subitamente se enfrentou com a realidade do mundo e sua mente livre e seu espírito juvenil receberam um duro golpe. Era início de 1884 e o resultado do exame ainda não havia sido comunicado.
Uma tarde encontrava-se na casa de um amigo em Baranagore; chegou a
noite e eles estavam conversando. Nesse momento de alegria, chegou um
mensageiro para dar-lhe a notícia de que seu pai havia falecido de uma síncope
cardíaca. Naren partiu imediatamente para Calcutá. Sua mãe e seus irmãos
estavam-no esperando, desconsolados. Naren se sentia aturdido; não podia
chorar, nem falar. Finalmente, de acordo com os costumes, realizou os últimos
rituais para seu pai.
A inesperada morte de Vishwanath colocou a família em uma situação
desesperante: ele era o sustento de todos eles e, sobretudo, sempre tinha
gastado mais do que ganhava. Os credores começaram a bater na porta; os
parentes, que tanto deviam a Vishwanath, converteram-se em seus piores
inimigos, chegando ao extremo de querer despojar a família de sua propriedade,
onde viviam todos juntos. Narendra não contava com nenhuma quantia; mesmo assim
viu-se obrigado a manter sete ou oito pessoas. Aproximavam-se dias de terríveis
sofrimentos para Narendra. Do conforto despreocupado e fácil, Naren foi
arrojado à mais espantosa pobreza, a ponto de chegar a passar fome. Mais
adiante, se esforçaria para esquecer esses dias amargos, mas em vão. Tão
tenebrosos tinham sido, tão densas as obscuras nuvens do destino!
O homem real é o que enfrenta o destino com intrepidez e poder; ele é
o capitão de sua alma. E isto é o que fez Naren. Foi aprovado no exame de B.A e
foi admitido na Faculdade de Direito. No colégio, ele era o mais pobre entre os
pobres. O calçado era um luxo, sua vestimenta era de material mais rústico e
foram muitas as vezes em que chegava a sala de aula sem ter comido nada.
Freqüentemente se sentia desvanecer de fraqueza.
Seus amigos, de vez em quando, o levavam às suas casas para comer.
Nessas oportunidades, conversava alegremente com eles durante horas, mas quando
era servido almoço ou ceia, a visão da desolação que reinava em sua casa
chegava em sua mente e ele não conseguia comer. E com a desculpa de que tinha
algo urgente para fazer, se retirava. Chegando a sua casa, comia o menos
possível, para que os outros tivessem um pouco mais. Depois que ele deixou o
corpo, sua mãe nos contou muitos dos sacrifícios que Naren tinha feito nesse
tempo.
Muitas vezes se recusava a comer, dizendo que tinha comido na casa de
um amigo, quando a realidade é que não comia para não privar os demais. Tal era
a grandeza e sensibilidade desse ser! Além do mais, continuava a ser o rapaz
alegre de sempre, aparentando despreocupação, diante de sua situação e de seus
candentes problemas.
A família Datta era orgulhosa e encobria sua pobreza com o manto do
orgulho. Os amigos de Naren – filhos de famílias abastadas de Calcutá – iam em
suas magníficas carruagens para casa de Narendra, para leva-lo a passeios e
diversões, sem suspeitar que seu esgotamento físico se devia a tremenda dor
pela perda de seu pai e a situação em que sua morte o havia colocado.
Para piorar mais as coisas, surgiu uma disputa entre os ramos da
família, com respeito a casa em que Naren e sua mãe viviam. Com o fim de
apoderar-se da propriedade, iniciaram uma ação contra eles e o assunto foi
levado à Corte. Eles exigiam que a casa fosse dividida, recebendo eles a menor
parte. Este foi um terrível golpe para Naren e sua mãe. Que semelhante assunto
fora ventilado em público! O caso seguia seu curso. Durante o julgamento,
surgiram vários incidentes que puseram em alerta o temperamento, o caráter e o
talento de Naren. Finalmente o juiz foi a favor da família de Naren.
Apesar das coisas terem se suavizado um pouco, nem por isso a situação
melhorou. Durante vários anos, prosseguiu a luta pelo alimento e as vestes mais
rudimentares. Mesmo assim eles eram felizes, quando souberam que tinham
conseguido salvaguardar a propriedade e que ficariam todos juntos. Todos os
esforços de Narendra inclinaram-se para esses dois fins. Converteu-se em um
Franemason, esperando que as janelas sociais criassem, também, uma oportunidade
economicamente vantajosa para ele.
Foi nomeado mestre em uma das instituições de Vidyasagar, mas depois
de um mês renunciou, para aproveitar melhores oportunidades. Era uma existência
em que se ganhava o sustento dia após dia. Havia momentos em que Narendra se
sentia desanimado, mas era demasiado valente para demonstra-lo. Em outras
grandes provas, mais tarde, a lembrança destas lutas e tribulações, lhe deram
força para sobrepuja-las, pensando que nada poderia ser pior que aquelas que já
havia passado e finalmente vencido.
O relacionamento entre mãe e filho se aprofundou durante essas
tormentosas experiências, permitindo a mãe reconhecer em Naren os arroubos
característicos de jamais aceitar a derrota, que ela mais havia admirado em seu
pai. A seguinte é a descrição que Naren fez desse obscuro período de sua vida:
“Antes de finalizar o período de luto, tive que começar a buscar
trabalho. Descalço e sem comer, vagava de um escritório a outro, sob o sol
ardente do meio-dia, com uma solicitação a mão. Um de meus mais íntimos amigos,
que simpatizava comigo, costumava acompanhar-me. Todas as portas se fechavam
para mim. Este primeiro contato com a realidade da vida convenceu-me de que a
compreensão e a simpatia, sem nenhum motivo egoísta, eram uma raridade, quase
uma utopia no mundo e nele não havia lugar para o fraco, o pobre e o sem
posses. Aqueles que, alguns dias antes, sentiam-se orgulhosos em ajudar-me,
agora me davam as costas, apesar de dispor de meios em abundância. Por alguns
momentos, o mundo me pareceu como a obra do demônio.
“Um dia, esgotado e com os pés doloridos, me sentei à sombra do
Monumento Ochterlony, em Maidan. Um de meus amigos, com a intenção de
animar-me, cantou algo sobre a graça de Deus. Isto foi para mim como um golpe
mortal. Lembrei do desamparo que se encontrava minha mãe e meus irmãos e, com
terrível angústia, disse: ‘Você faria o favor de se calar? Essas fantasias
podem satisfazer aos que comem com talher de prata e não têm familiares que
passam fome’. Sim... houve um tempo em que pensei desta maneira. Agora me soa
como algo horrendo.
“Meu amigo deve ter se sentido ferido. Como ele poderia compreender o
profundo sofrimento que suas palavras tinham feito surgir em mim? Às vezes
fazia minha mãe acreditar que tinha sido convidado a comer fora e ficava sem
comer, para que eles tivessem um pouco mais. Meus amigos, em boa posição, me
pediam que fosse cantar em suas casas; eu, quando não podia evita-lo, os
satisfazia, sem expressar minha terrível angústia e eles, talvez, preferissem
não perguntar sobre minha situação.
“Uns poucos entre eles me perguntavam: ‘Por que estás tão pálido e
fraco?’. Somente um deles chegou a saber de minha indigência e sem que eu
soubesse, de vez em quando enviava uma ajuda anônima a minha mãe, comprometendo
para sempre minha gratidão.
“Alguns de meus velhos amigos, que ganhavam a vida por meios pouco
ilícitos, me pediram para me associar a eles. Alguns, que não tinham conseguido
resistir a este caminho duvidoso ante os reveses da fortuna, sentiam por mim
uma verdadeira simpatia. Apresentaram-se, também, outras formas de tentações.
Uma mulher de fortuna me fez uma proposta imoral, para pôr fim a minhas
penúrias. Outra mulher me fez uma proposta similar. Eu lhe disse: ‘Você está
destruindo sua vida em busca de prazeres carnais; as sombras da morte estão
sobre si. Que tem feito para derrota-las? Abandone esses desejos indignos e
lembre de Deus’.
“Apesar de tudo, nunca perdi minha fé em Deus, nem em Sua divina
misericórdia. Todos o dia, tomando Seu Nome, me levantava e saía em busca de
trabalho. Um dia minha mãe me olhou com grande amargura e me disse: ‘Cale-se!
Desde sua infância está clamando por Deus; que fez Ele por você?’. Senti-me
ferido de morte e a dúvida se apoderou de minha mente. Pensava: É verdade que
Deus existe? E se é assim, por que não reponde a meu chamado? Por que tanto
sofrimento no reino de um Deus tão misericordioso? As palavras de Pandit
Vidyasagar: ‘Se Deus é misericordioso, por que milhões de pessoas, em tempos de
fome, morrem de inanição?’, soavam em meus ouvidos com amarga ironia. Senti-me
terrivelmente aborrecido com Deus. Era o momento propício para que a dúvida
entrasse em meu coração.
“Nunca, desde menino, ocultei meus pensamentos, afora por temor ou
outro motivo. Agora, era perfeitamente normal que manifestasse e provasse, ante
o mundo, que Deus era um mito ou, no caso dEle existir, que era inútil
chamá-lo.
“Estas minhas declarações fizeram com que me considerassem um ateu que
não tinha escrúpulos em beber e freqüentar casas de má fama. Estas calúnias
endureceram mais meu coração. Abertamente, sustentava que neste mundo, não era
nada reprovável que um homem buscasse alívio a seus pesares por qualquer meio.
“Uma distorcida visão deste assunto chegou aos ouvidos do Mestre e de
seus devotos de Calcutá. Algum deles foram me ver, para conhecer a verdade em
primeira mão, dando-me a entender que acreditavam em tais rumores. Exasperado,
lhes disse, sem nenhum anseio, que era uma covardia crer em Deus por temor ao
inferno; discuti com eles sobre Sua existência ou não-existência, citando como
testemunhas vários filósofos ocidentais. Como resultado disso se foram, com a
convicção de eu estava irremediavelmente perdido. E eu me alegrei. Pensei que
talvez Sri Ramakrishna também acreditaria nisso e senti profundo ressentimento.
Dizia a mim mesmo: ‘Não me importa se a opinião de um homem – boa ou má –
descansa sobre fundamentos tão frágeis!’. Pouco depois me inteirei, com
assombro, de que o Mestre tinha recebido essa notícia com toda a frieza, sem
expressar nenhuma opinião. E quando um de seus discípulos favoritos, Bhavanath,
lhe disse com lágrimas nos olhos: ‘Senhor, não posso suportar a idéia de que
Naren possa descer tão baixo’, o Mestre, furioso, lhe disse: ‘Cale-se, tolo! A
Mãe me disse que isto jamais acontecerá. Não poderei o olhar nunca mais, se
tornar a falar desta maneira’”.
“Apesar de minha formada incredulidade, a vívida recordação das visões
que tinha experimentado desde a infância e depois de meu contato com Sri
Ramakrishna, me induziam a pensar que Deus deveria existir e que deveria haver
algum caminho para realiza-Lo. Caso contrário, a vida não teria sentido. Eu
devia achar esse caminho em meio a todas as minhas tribulações. Minha mente
continuava alternando-se entre a dúvida e a convicção, enquanto minha condição
pecuniária permanecia sem modificação.
“Passou o verão e chegou a estação das chuvas. A busca por um emprego
continuava sem variações. Em um entardecer, molhado da chuva e sem comer,
voltava para casa, fisicamente esgotado e mentalmente desalentado. Incapaz de
dar mais um passo reclinei-me ao pé da coluna de uma casa. Me sentia demasiado
fraco para separar os pensamentos que cruzavam minha mente. Subitamente, senti
como se algum divino poder fosse dissipando gradualmente a névoa que encobria
minha alma. Todas minha dúvidas a respeito da co-existência de uma divina
justiça, misericórdia e a presença do sofrimento na criação de uma Providência
plena de Felicidade, se dissolveram automaticamente. Uma profunda introspecção
me fez compreender o significado de tudo isso e fiquei satisfeito. Quando
voltei a mim, não ficou o menor vestígio de cansaço físico e mental; tudo em mim
era força e paz. Era já noite.
“Desde este momento, me tornei surdo para o louvor e a censura. Me
convenci de que eu não tinha nascido como uma pessoa comum, para ganhar
dinheiro e manter uma família e menos até para lutar pelos prazeres sensórios.
Comecei a preparar-me secretamente para renunciar ao mundo fixando, para ele,
uma data determinada. Logo me inteirei que, nesse dia, o Mestre viria a
Calcutá. Pensei: ‘Sou afortunado; abandonarei o mundo com a bênção de meu
Guru’.
“Assim que me viu, me pediu insistentemente que, nesta noite, fosse
com ele a Dakshineswar. Apesar das minhas desculpas, tive que aceitar. No
trajeto, quase não falamos. Ao chegar a Dakshineswar, sentei-me em seu quarto,
junto com os outros. Subitamente ele, em um elevado estado, começou a cantar,
enquanto as lágrimas deslizavam por suas faces. Até este momento, eu tinha
conseguido reprimir meus sentimentos, mas agora, incapaz de controlar-me,
comecei a chorar. Sua canção demonstrava, claramente, que ele conhecia minhas
intenções.
“Os presentes observavam tudo, sem compreender nosso intercâmbio de
emoções. Quando o Mestre recobrou sua consciência normal, alguns perguntaram a
ele o que havia acontecido. O Mestre, sorrindo, respondeu: ‘Oh, é algo entre eu
e ele!’. Assim que anoiteceu, despediu-se de todos os presentes e chamando-me a
seu lado, disse: ‘Eu sei que você veio ao mundo para fazer o trabalho da Mãe e
que não poderá viver no mundo. Mas, eu te rogo, fica nele enquanto eu viva’. E
rompeu a chorar novamente.
“No dia seguinte, com sua permissão, voltei para casa. Comecei a
procurar trabalho e consegui entrar no escritório de um advogado. Este trabalho
e a tradução de alguns livros me permitiram ganhar o suficiente para comer, mas
isto não era permanente. Não havia maneira de conseguir uma quantia fixa para
manter minha mãe e irmãos.
“Então cruzou pela minha mente a idéia de que Deus ouvia Sri
Ramakrishna. Por que não lhe pedir que rogasse por mim e melhorasse minha
situação? Estava seguro de que o Mestre não se negaria. Corri para Dakshineswar
e com toda a insistência, lhe pedi que intercedesse a meu favor. Disse-me:
‘Filho meu, eu não posso fazer tais pedidos. Por que não vai você mesmo e pede
à Mãe? Todos os seus sofrimentos existem porque não A leva em conta’.
Disse-lhe: ‘Eu não conheço a Mãe. Por favor, fale com ela por mim, eu lhe
rogo’.
“Com toda ternura, respondeu: ‘Filho meu, o tenho feito muitas vezes,
mas como você não A aceita, Ela não atende meu rogo. Muito bem; hoje é
terça-feira – vem ao templo de Kali esta noite, prosterne-se ante a Mãe e
peça-lhe o que quiser; lhe será concedido. Ela é Conhecimento Absoluto, o
Inescrutável Poder de Brahman e é por Sua vontade que se deu nascimento neste
mundo. Está em seu poder conceder qualquer coisa’.
“Acreditei em cada uma de suas palavras e, ansiosamente, esperei pela
noite. Por volta das 21 horas, o Mestre me disse que fosse ao templo. No
caminho, me senti invadido por uma divina embriaguez; meus passos eram
vacilantes e meu coração batia rapidamente. Estava imerso na idéia de ver a
Deusa vivente e escutar Suas palavras. Ao chegar, dirigi meu olhar para a
imagem e vi que a Divina Mãe estava viva e consciente. Fiquei preso numa onda
de amor e devoção. Em um êxtase de felicidade, me prostrei repetidas vezes ante
a Mãe e lhe roguei: ‘Mãe, dá-me discernimento, dá-me conhecimento e devoção!
Concede-me uma ininterrupta visão da Senhora!’. Uma sublime e serena paz
invadiu minha alma. O mundo foi esquecido e só a Divina Mãe resplandecia em meu
coração.
“Quando regressei do tempo, o Mestre me perguntou se tinha rogado pelas minhas necessidades mundanas. Fiquei estupefato. Disse-lhe: ‘Não senhor; me esqueci completamente disso. Há algum remédio?’. Disse-me: ‘Vá novamente e fale-lhe de sua situação’. Fui ao templo pela segunda vez, mas ao ver a Mãe, esqueci meu pedido e só lhe roguei por amor e devoção. Contei ao Mestre o que aconteceu e Ele me disse: ‘Que descuidado você é! Não pode se controlar? Bem... vá uma vez mais. Vá rápido!’. Ao entrar pela terceira vez no templo, uma profunda sensação de vergonha apoderou-se e mim. Pensei: que insignificância venho pedir à Mãe. Que tolo tenho sido! Envergonhado e arrependido, inclinei-me respeitosamente ante Ela e lhe disse: ‘Mãe, não quero nada mais que conhecimento e devoção’.
“Ao sair do templo, compreendi imediatamente que tudo tinha acontecido pela vontade do Mestre. De outra forma, como pude fracassar três vezes na minha intenção? Disse-lhe: ‘Senhor, foi ao senhor que me fez esquecer de tudo. Agora lhe rogo, conceda-me a graça de que minha família nunca mais sofra essa extrema pobreza’. Ele me respondeu: ‘Tal rogo jamais sairá de meus lábios. Eu lhe pedi que você mesmo pedisse, mas não pôde faze-lo. Eu não posso evitar’. Eu insisti, até que, finalmente, Ele disse: ‘Muito bem. Sua família nunca mais deixará de ter roupas e comida simples’”.
Este incidente é realmente uma marca de fogo na vida de Naren. Até então ele não havia compreendido o significado da Maternidade de Deus: além disso, menosprezava a adoração das imagens. Agora tudo pareceu claro em sua mente, tornando mais plena sua vida espiritual. Sri Ramakrishna se sentia feliz diante desta transformação.
Capítulo V
DIAS DE ÊXTASE EM DAKSHINESWAR
Naqueles dias Naren, como muitos dos membros do Brahmo Samaj, temia que uma intensa meditação pudesse trazer conseqüências físicas. Sri Ramakrishna o tranqüilizou dizendo: “Deus é como um oceano de néctar. Suponha que você seja uma mosca ansiosa por beber do néctar contido numa vasilha. Como haveria de bebe-lo?”. Naren respondeu que beberia sentado em sua borda, pois se caísse dentro da vasilha poderia morrer. O Mestre lhe disse: “Você esquece que este é o Oceano de Sat-Chit-Ananda, Existência-Conhecimento-Felicidade Absoluta. No Oceano da Imortalidade não há perigo de morte. Os tolos dizem que não devemos exagerar em nosso amor e devoção a Deus. Por acaso alguém pode chegar a um excesso de amor pelo Divino? Portanto lhe digo. Mergulhe fundo no Oceano de Deus”. Naren seguiu este conselho. Seu intelecto podia duvidar, mas seu coraçao não.
* * *
Nesses dias, teve estranhas
experiências. Via Sri Ramakrishna em meditação, estando na sua própria casa e o
Mestre em Dakshineswar. Uma noite sonhou que Sri Ramakrishna chegava e lhe
dizia: “Vem, lhe mostrarei Gopi Radha”. Naren o seguiu. Depois de percorrer
certa distância, disse ao Mestre: “Aonde irá?”. E o mesmo se transformou na
formosa personalidade de Radha. Esta experiência afetou a tal ponto a
consciência mental de Naren, que começou a cantar canções sobre o amor
espiritual de Radha – a alma individual para Sri Ramakrishna, o Bem-amado
Morador Interno – desejando canções a Brahma Sem-forma do Brahmo Samaj. Quando
seus discípulos perguntaram se ele acreditava no significado disso, Naren
respondeu: “Claro que sim”.
Ocasionalmente Naren via seu ‘duplo’
que o acompanhava em sua meditação: ele se perguntava quem seria esse ‘duplo’
que respondia a todos os seus movimentos, como uma imagem refletida em um
espelho e ficava horas a seu lado. Quando contou isso ao Mestre, ele não deu
nenhuma importância ao fato. Disse-lhe somente: “Se trata de um incidente sem
maior importância, que acontece nos mais elevados estados de meditação”.
Uma vez Naren teve o desejo de
esquecer todo o externo e perder-se em Bhava ou estado extático. Sentia-se
deprimido ao ver outros devotos do Mestre, como Nityagopal e Manochan entrarem
neste estado, quando cantavam o nome de Deus. Quando ficou ante o Mestre, ele
olhou-o com grande ternura e disse: “Filho meu, não se preocupe. Que importa
isso! Quando um elefante entra no Ganges, não é notado. Estes devotos são como
pequenos lagos: um pouco de grande poder do Divino Amor penetrando neles,
levanta a água com fúria; por outro lado, você é como um extenso e largo rio”.
Nesse tempo Naren, teve que passar por
uma prova que colocou em evidência seu fulgente fogo de espiritualidade e
renúncia. Alguns de seus amigos de boa posição convidaram-no para ir a uma
festa nos jardins da casa de um deles, no subúrbio de Calcutá. Naren aceitou
encantado. Havia muitos cantores e ele mesmo participou com alguns cantos. Um
de seus amigos lhe disse, depois de algumas horas, que se quisesse descansar,
podia faze-lo em um dos quartos da casa e sem lhe dizer nada, enviaram uma
bailarina para entretê-lo. Naren começou a conversar com ela, como se fosse uma
de suas irmãs. Ela lhe falou de sua vida, de seus pesares e sofrimentos. Vendo
o interesse e simpatia de Naren e confundindo sua atitude afetuosa, lhe mostrou
o que sentia por ele. De imediato Naren se incorporou, lembrando Sri
Ramakrishna. Disse à jovem: “Perdoe-me, pois devo ir-me; sinto verdadeira
simpatia por você e lhe desejo o melhor. Quando se der conta de que esta
espécie de vida é fraqueza, a deixará para sempre”. A jovem, perturbada e
perplexa, disse aos amigos de Naren: “Belo papel me fizeram!. Mandar-me atentar
um monge!”. Que poderosa era a influência de Sri Ramakrishna sobre Naren!
Naren adquiriu poder, personalidade e
grande consciência espiritual, aos pés de Sri Ramakrishna. As palavras de
esperança e força que o Mestre pronunciava a seu respeito, o inflava de vigor;
tornou-se consciente de sua futura grandeza. Uma vez disse a seus amigos:
“Vocês, em suma, chegarão a ser advogados, médicos e juízes, mas eu traçarei um
caminho para mim”. Sentia-se seguro porque o Mestre sentia essa segurança nele.
Naren viu muitos homens famosos –
médicos, advogados, filósofos, eruditos e mestres religiosos – chegarem ao
Mestre, impressionados por sua personalidade. Os médicos investigavam o samadhi
e sua renúncia, quando seu corpo estremecia ao menor contato com o ouro. Os
eruditos anotavam seus feitos, considerando-os como resultados de elevadas
realizações. Nada colocava em dúvida a grandeza espiritual de Sri Ramakrishna.
O Mestre tinha dado a Naren o primeiro
lugar entre seus muitos discípulos devotos. O Mestre, em sua eleição, não se
deixava guiar pela importância ou posição no mundo. A um, que era fabulosamente
rico e tinha obtido o título de “Rajá”, disse: “As pessoas o chamam de ‘Rajá’,
mas eu não posso chamá-lo assim; seria uma falsidade de minha parte”. A outro,
que era filantropo, a sua maneira disse: “Como resultado de seu baixo
nascimento, sua mente é muito estreita”.
Todo o desenvolvimento físico,
intelectual e espiritual de Naren, se devia a influência de Sri Ramakrishna.
Naren tinha a aparência graciosa de um animal selvagem e uma absoluta liberdade
de movimentos. Enquanto caminhava, sua mente permanecia absorta em fundos
pensamentos. Mesmo assim, havia nele algo de espírito infantil e uma
espontaneidade que era a delicia de todos os que o conheciam.
Sua aparência era a de um jovem pleno
de vigor e vitalidade. Sua estatura era ligeiramente superior a altura média e
com ombros sólidos. Seu peito era amplo e sua testa projetada para frente,
sinal de um elevado poder mental. Todo seu corpo era bem estruturado. Na
realidade, era um dos poucos homens de quem se podia dizer que, sem inclinações
para o feminino, era gracioso e encantador. Seus olhos eram o mais chamativo de
seus traços. Pareciam pétalas de lótus. Eram proeminentes, mas não avultados e sua
cor variava de acordo com seus sentimentos; algumas vezes eram luminosos e de
olhar sereno; em outros, se iluminavam pela alegria e excitação. Quando falava,
era como se, momentaneamente, só existisse a pessoa com quem falava, para
grande satisfação deste.
Alguns diziam que seu interesse
em alguém deixava de existir tão logo como “o havia espremido para deixa-lo
seco”, para usar a expressão deles. A verdade é que ele era muito mais o que
dava, do que o que recebia. Tratava-se de um intercâmbio intelectual. Sem
dúvida, seu porte era atraente e sugestivo, mas absortas na irresistível
atração que despertava seu rosto, as pessoas perdiam de vista sua aparência
externa. Tinha uma forte mandíbula, símbolo de vontade de ferro e uma
indestrutível determinação.
Havia quem o tomava por um alegre
sonhador; outros como um profundo pensador e alguns como alguém que vivia no
mundo nutrido pelo ideal do amor e da beleza. Mas todos eram unânimes em que
ele parecia descender de uma estirpe aristocrática. Seu sorriso era harmonioso
e alegre.
Quando Naren se punha sério,
despertava um reverente temor em seus companheiros. E havia momentos em que
seus irmãos-discípulos o consideravam como um menino e sob essa influência,
sentiam mais carinho por ele quando estava irritado, impetuoso ou exigente.
Quando se excitava discutindo, ou quando seu pensamento se elevava às alturas
do êxtase, seu rosto e seus olhos resplandeciam, manifestando o tremendo poder
de sua personalidade. Quando mergulhava em seus pensamentos, criava uma atmosfera
de reserva e distância tão impenetráveis, que ninguém ousava aproximar-se.
Tinha o poder de separar-se de todos os demais como um verdadeiro gênio; em
alguns momentos manifestava uma estranha impaciência para todos os que o
rodeavam e em outros, demonstrava uma terna paciência, indiferente ante o
resultado de planos e desejos, como quem percebe um sentido de eternidade às
suas costas.
O espírito de uma doce tolerância
permaneceu com ele durante toda sua vida, em meio as dificuldades que rodeavam
seu trabalho e a escassa valorização daqueles por quem trabalhou e sofreu.
Dizia: “Por que esperar ser compreendido? É suficiente que eles me amem. Depois
de tudo, quem sou eu? A Mãe sabe melhor: é Ela que faz Seu trabalho. Então,
quem sou eu para considerar-me indispensável?”. A sua personalidade era
poderosa, grata e radiante.
O amor de Sri Ramakrishna estabeleceu
um equilíbrio entre seu intelecto e seu coração. Por instinto, Naren era um
filósofo; Sri Ramakrishna fez dele um devoto. Além do mais, as elevadas
realizações filosóficas que Naren chegou a experimentar, se deviam ao Mestre.
Seu temperamento introspectivo, suavizado pelo amor espiritual, foi a estrutura
de sua espiritualidade.
Narendra era um filósofo a sua
maneira; mesmo assim o Mestre costumava dizer que somente em bhakta, um devoto
de Deus podia ter traços físicos tão agradáveis e harmoniosos. Os gñanis, no
geral, eram secos em sua aparência.
Naren disse uma vez a um de seus
discípulos: “O Mestre era todo bhakti externamente, mas por dentro era todo um
gñani. Eu sou todo gñana por fora, mas meu coração é todo bhakti”. Um suave véu
de amor escondia o intelecto espiritual do Mestre e um manto de inteligência
cobria a natureza devocional de Narendra.
A pobreza e seus conseqüentes
sofrimentos lapidaram um aspecto do caráter de Narendra; suas associações
fizeram o resto. Sri Ramakrishna aperfeiçoou seu caráter de acordo com o ideal
que ele tinha em mente. Dizia que se Naren tivesse continuado a viver no luxo e
no conforto, teria tomado outro rumo; poderia ter sido um grande homem de
estado, um brilhante advogado, um grande orador ou um grande reformador social.
A pobreza despertou em Narendra a simpatia pelo necessitado e o indigente. O
caráter divino do seu Mestre lhe mostrou a grande diferença que havia entre
intelectualismo e espiritualidade.
A filosofia se converteu, para ele, em
uma servidora, para a realização espiritual, que o ajudava a verificar suas
experiências espirituais. Não desprezava o intelecto; lhe dava as boas vindas.
Deste ponto em diante, Naren subordinou a razão à realização espiritual. Oração
e meditação eram as ferramentas com as quais Naren, agora, se elevava à
consciência espiritual.
Que maravilhoso e insondável era o
amor do Mestre! Depois do falecimento do pai de Naren, disse a um devoto
influente: “O pai de Naren faleceu. Eles estavam passando fome. Agora é o
momento para que seus amigos o ajudem”. Quando o devoto se retirou Naren, com
certo desgosto, lhe disse: “Senhor, por que disse essas coisas de mim?”. O
Mestre compreendeu que havia ferido seu orgulho de família e exclamou, com
lágrimas nos olhos: “Oh meu Naren, faria qualquer coisa por ti; até seria capaz
de mendigar de porta em porta!”. Naren sentiu-se profundamente comovido. Isto
era verdadeiro amor, generoso e irresistível, além do que se pudesse imaginar.
Referindo-se a seu Mestre, uma vez Naren disse: “Sim, ele me fez seu escravo,
por seu grande amor para comigo!”.
Naren desfrutou da companhia de seu
Guru durante 5 anos. Esses anos foram de silenciosa realização, silencioso
ensinamento e silenciosa assimilação. Cada vez que Naren chegava a
Dakshineswar, era um acontecimento estremecedor, tanto para ele como para o
Mestre; eram momentos em que a realização recíproca se intensificava e o discípulo
absorvia as idéias e ideais de seu Mestre. Dessa maneira, paulatinamente se ia
saturando de espiritualidade.
O Mestre deu a Naren tudo o que ele possuía. Ele havia lutado em meio a tremendas dificuldades, para adquirir um grande tesouro e Naren era o filho e herdeiro que haveria de guardar esse tesouro. Sri Ramakrishna tinha construído um grande império espiritual, mediante a conquista de perigosos invasores – a luxúria e o ouro. Naren haveria de estender os domínios desse império por sobre toda a terra. Sri Ramakrishna tinha submergido no oceano da espiritualidade; Naren haveria de mostrar ao mundo os tesouros que o Mestre tinha encontrado nas profundidades insondáveis do oceano. Sri Ramakrishna era a realização e o conhecimento. Naren haveria de converter-se em seu porta-voz.
Em meados de 1885, Sri Ramakrishna
começou a sentir certo mal-estar na garganta, que culminou em um câncer fatal.
Para aliviar o intenso calor de verão, o Mestre recorria ao gelo, o qual
intensificou sua dor de garganta. A isso devemos acrescentar o excesso de
conversações e seus constantes estados de samadhi.
O médico que o atendia, além de
receitar medicamentos, lhe aconselhou a não conversar muito e sugeriu aos
devotos que fizessem o possível para não permitirem que ele entrasse em
samadhi. Não é necessário dizer que todas as intenções de controlar o Mestre
foram inúteis.
Nesses dias, Sri Ramakrishna foi ao
festival religioso em Panihati, um subúrbio de Calcutá, passando o dia inteiro
cantando e dançando e entrando em samadhi repetidas vezes. Desde modo, o mal se
agravou. Observando seu estado, os médicos diagnosticaram o caso como “afonia
dos clérigos”. O Mestre tentava cumprir com todas as indicações dos médicos,
menos duas muito essenciais: durante as ocasionais práticas espirituais, perdia
a consciência do corpo e entrava em samadhi; ou quando chegava alguma pessoa
angustiada que queria conforto e conversava com ele, sem se importar com o
significado desse esforço para a sua saúde. Além do mais, sua comunhão com Deus
se intensificou; não tinha horas fixas para comer e descansar, passando a maior
parte do tempo em meditação ou oração: tudo isto, invariavelmente, acabava em
profundo samadhi. Por conseqüência, o último ano de sua vida foi uma lenta e
dolorosa crucificação.
Um dia, Sri Ramakrishna iniciou Naren com o nome de Rama, dizendo-lhe que esse era o mantra que havia recebido de seu guru. Em conseqüência, as emoções de Naren se intensificaram. Até o amanhecer, ele era visto dando voltas ao redor da casa repetindo: “Rama, Rama!”, com voz emocionada. Aparentemente, sua consciência externa havia se toldado e ele todo ardia num fogo extático. Quando informaram isto ao Mestre, Ele disse: “Deixem-no, isso passará no momento certo”. A tormenta espiritual foi se apaziguando e Naren retornou novamente a seu próprio ser.
A casa-jardim de Cossipore se
converteu em um Templo e na Faculdade de Sabedoria.
* * *
Transcrevemos uma conversa entre Narendra e M, um discípulo do Mestre
e chefe de família, que nos dá um vislumbre da condição mental de Narendra,
naqueles dias:
N. No
sábado passado (2 de janeiro de 1886), estava meditando aqui.
Subitamente senti uma estranha sensação, como se algo rastejasse sobre meu
peito.
M. Seria
o despertar da Kundalini...
N.
Provavelmente. Senti claramente os nervos Ida e Pingala e pedi a um discípulo
que pusesse seu manto sobre meu peito. Ontem disse a Sri Ramakrishna: “Todos
têm sido abençoados com certa realização; lhe rogo que dê algo para mim também.
Só eu fico sem nada?”. Ele me respondeu: “Cuides de sua família e logo terás
tudo. Que você quer?”. Respondi:
“Permanecer imerso em samadhi durante 3 ou 4 dias seguidos, interrompendo só
para comer”. Então me disse: “Você é um tolo. Há um estado superior a esse. Não
é você que canta, você é tudo o que existe? Vem, depois de assegurar a situação
de tua família e realizará um estado muito superior ao samadhi”.
Nesta
manhã fui para casa. Repreenderam-me por me descuidar dos estudos, faltando pouco
para meu exame. Fui estudar na casa de minha avó, mas ao abrir um de meus
livros, senti uma espécie de terror, como se o que me dispunha a ler fosse
horrendo. Que terrível tempestade se levantou em meu coração! Jamais chorei tão
desesperadamente em minha vida! Abandonando tudo, corri para cá. Meus sapatos
ficaram pelo caminho. Passei por sobre um fardo de feno e algumas fibras
aderiram ao meu corpo. Corri sem para até chegar aqui.
Nesta mesma noite, apesar da gravidade de seu estado, o Mestre, num sussurro,
ou por sinais, falava de Narendra. Dizia: “Que estado maravilhoso o de
Narendra! Houve um tempo em que não acreditava no aspecto Pessoal de Deus e
vejam agora como deseja ardentemente pela realização!”. Então deu a entender
que Naren logo alcançaria a meta. Nessa mesma noite, seus irmãos discípulos
foram meditar em Dakshineswar.
* * *
É interessante observar de que maneira o Mestre ia estreitando os
laços entre ele e seus discípulos. Naren, por sua vez, era a figura principal.
Isto era aceito por todos, dado que reconheciam seu valor espiritual e a estima
que Sri Ramakrishna tinha por Naren. Era, além disso, o mais inteligente de
todos; havia combinado razão e conhecimento secular com sua natureza
devocional, sendo também, o mais firmemente estabelecido em suas convicções
religiosas.
Cada vez que os ensinamentos do Mestre, sua tendência monástica e a de
todos eles, recebiam um desafio, as justificativas que Naren dava eram
irresistivelmente lógicas. Foi ele que acendeu em todos o fogo do entusiasmo,
mediante o poder de sua notável personalidade. Cada vez que surgia algum
problema, corriam para ele, em busca de solução.
Por seu lado, Sri Ramakrishna os consolava, dizendo-lhes que Naren era
o líder de todos eles e que sua elevada compreensão espiritual seria o guia
infalível para os dias que se avizinhavam. Na realidade, muitos deles
compreenderam melhor o Mestre através de Naren. Ele lhes explicava sobre a
grande vida de Sri Ramakrishna. Sua compreensão do Mestre se converteria,
assim, na força destes jovens discípulos.
Em meio a todas as suas dificuldades, Naren não perdia de vista seu
Mestre que, por sua infinita graça, o estava preparando para a realização de
Deus. O Mestre era para ele um amigo, filósofo e Guru, tudo junto. Pensava
constantemente em sua enfermidade. Nesse tempo, foi visita-lo em Cossipore, o
Pandit Shashadhar Tarkachudamani, um grande erudito hindu e devoto do Mestre.
No curso da conversa, o Pandit disse: “Senhor, as escrituras dizem que
as almas perfeitas como as sua, podem curar-se por seu mero desejo. Se o senhor
concentrar sua mente na parte afetada e pensar que deve curar-se, sem dúvida
acontecerá”. Sri Ramakrishna, sem a menor vacilação, respondeu: “O senhor, um
erudito, fazer semelhante proposta! Dei minha mente a Deus para sempre; não me
é possível concentra-la nesta jaula de carne e sangue”. O Pandit ficou em
silêncio. Quando se retirou, Naren e uns poucos discípulos rogaram ao Mestre
que curasse seu mal, dizendo: “Senhor, deve livrar-se desta doença, mesmo que
seja só para o nosso bem”.
S.R.:
Acreditam vocês que estou sofrendo por minha vontade? Eu queria curar-me, mas a
doença continua. Tudo depende da vontade da Divina Mãe.
Naren: Então,
por favor, diga a Santa Mãe que o cure. Ela, sem dúvida, escutará seu pedido.
S.R. Vocês
podem falar assim, mas eu não posso dizer tais coisas.
Naren: Você
deve dizer a Mãe o que está acontecendo,
mal não fará. Para nosso bem.
S.R.: Muito
bem; verei o que se pode fazer.
Depois de algumas horas, Naren voltou
e lhe perguntou: “Falou com a Mãe? Que respondeu?”. O Mestre disse: “Apontando
para minha garganta, lhe disse: ‘Não posso comer nada por causa desta chaga;
por favor, faça algo para que eu possa comer um pouco’. Então Ela, apontando
para todos vocês, me disse: ‘Para que? Acaso não está comendo por todas estas
bocas?’. Me senti envergonhado e não pude dizer mais nada”.
* * *
O culto da primeira parte da noite tinha finalizado. Os devotos
deixaram o quarto até que, finalmente, Naren ficou sozinho com Kali (depois
Swami Abhedananda). Logo Naren sentiu o desejo de provar a Kali o poder que
possuía, de transmitir a elevada consciência da Advaita Vedanta. Disse a Kali:
“Espera uns minutos e depois me toque”. Quando os outros jovens retornaram ao
quarto, encontraram Narendra e Kali sentados na postura de meditação. Então
Kali tocou, com sua mão direita, o braço de Naren; sua mão começou
imediatamente a tremer. Depois de um ou dois minutos, Naren lhe perguntou:
“Diga-me, o que sentiu?”. “Senti – respondeu Kali – como uma descarga elétrica em
todo o corpo”. Outro discípulo perguntou: “Foi o toque de Narendra que fez sua
mão tremer?”. “Sim – respondeu Kali – por mais que me esforçasse, não podia
aquietar minha mão”.
Terminado o culto da meia-noite, os jovens voltaram a sentar-se para
meditar. Kali ficou absorto em profunda meditação, completamente inconsciente
do mundo exterior. Os demais deduziram que isso era conseqüência do toque de
Naren. Quando o culto findou, Naren foi ver o Mestre que, assim que o viu, lhe
disse: “Muito bem! Vejo que está gastando seu poder, antes de acumular o
suficiente. Estoque-o primeiro e logo saberá de que maneira poderá gasta-lo. A
Mãe o fará saber. Se dá conta do mal que causou a esse rapaz, infundindo-lhe
suas idéias? Ele estava seguindo um caminho particular; agora tudo está
perdido. Bem... o feito, feito está, mas não torne a faze-lo. Depois de tudo, é
uma sorte para ele”. Naren ficou confuso ao comprovar que o Mestre, estando em
seu quarto, sabia tudo o que acontecia com eles. Diante da repreensão do Mestre,
Naren ficou em silêncio.
* * *
A um dado momento, o único tema de discussão e meditação entre os
discípulos, em suas horas disponíveis, era a vida e ensinamento do Senhor Buda,
o Iluminado. Freqüentemente, a voz e o inspirador eram Narendra. Ele havia se
inteirado sobre o budismo e, nesse momento, se converteu em um budista em
espírito.
O superior intelecto do Iluminado, o sadio juízo de seus pontos de
vista, sua busca inflexível pela Verdade, sua ardente renúncia, seu compassivo
coração, sua doçura, sua profunda e luminosa personalidade e seu talentoso
equilíbrio entre a metafísica e o caráter humano – tudo isto tinha entusiasmado
tremendamente Naren. Nesse momento, esqueceu tudo o mais. O entusiasmo de Naren
era contagiante e se espalhou e se estendeu aos outros discípulos. Estavam
resolvidos – como Buda – a realizar a Verdade até o fim da vida.
Com caracteres bem visíveis, escreveram na parede do quarto de meditação: “Que meu corpo seque; que minha carne e meus ossos sejam destruídos. Até conseguir realizar aquela Luz difícil de alcançar, este corpo não se moverá de seu assento”.
A mente de Naren, instintivamente se voltou para Buda Gaiá, ao lugar onde o Tathágata alcançou a iluminação, depois de ter pronunciado aquelas palavras. Então decidiu ir até lá e meditar sob a sagrada árvore de Bo. Confiou este segredo unicamente a Tárak e Kali. Tárak conseguiu dinheiro para a viagem e no início de abril de 1886, Naren, Tárak e Kali cruzaram o Ganges e tomaram o trem em Bali.
Não informaram a ninguém desta viagem. Sua ausência fez seus amigos pensarem que, possivelmente, haviam renunciado ao mundo para levar a vida de monges mendicantes e que talvez não voltariam a vê-los nunca mais. Posteriormente, inteiraram-se de que os três jovens tinham ido a Buda Gaiá, usando o hábito guerua (ocre) da renúncia, para praticar austeridades.
Os três amigos chegaram a Gaiá e caminharam uns onze quilômetros, até chegar ao lugar da iluminação do Senhor Buda. A solidão, a santidade do lugar e suas sublimes associações cumularam seus corações além de toda expectativa. Ao entardecer, quando tudo era silêncio e quietude, se dirigiram ao assento de pedra sob a sagrada árvore Goddhi e se sentaram para meditar.
O profundo silêncio e a solenidade de seus próprios pensamentos culminaram a natureza emocional de Naren. Prontamente, entre fortes soluços, abraçou, com toda a ternura Tárak, que estava sentado ao seu lado. Tàrak quis saber o motivo e Naren lhe disse que, enquanto meditava, o sublime caráter de Buda, sua insondável compaixão, seus ensinamentos tão humanos e a subseqüente transformação da Índia realizada pela vara mágica do budismo, havia se apresentado ante seus olhos com tão vívidos tons, que não pôde controlar seus sentimentos.
Enquanto isso, em Cossipore os jovens sofriam pela ausência de Naren a ponto de alguns resolverem segui-lo. Quando o Mestre soube, disse: “Por que tanta ansiedade por Naren? Aonde vai e por quanto tempo vai poder estar perto daqui? Voltará logo”. Em seguida, acrescentou: “Vocês poderão dar a volta ao mundo e perceberão que, em nenhuma parte, existe a verdadeira religião. Tudo o que existe de espiritualidade está aqui”. A palavra “aqui” pode ser interpretada de duas maneiras: que a verdadeira espiritualidade, tal como foi realizada e manifestada em sua própria vida, não se achava em nenhuma outra parte; ou pode ser que seu desejo tenha sido o de ensinar que o mero perambular daqui para lá, não traria benefícios, a menos que fosse acompanhado pela realização interna da Verdade.
Sri Ramakrishna sabia que o que Naren tinha recebido dele, não seria encontrado em nenhuma outra parte; isso assegurava seu pronto regresso. Por outro lado, o Mestre se alegrava porque, no fundo de seu ser, sabia que Naren alcançaria essa compreensão e o conheceria melhor, mediante suas experiências em outro lugar, como o pássaro de sua parábola, que regressava ao mastro do barco, depois de voar infrutiferamente em busca de uma situação melhor. Sri Ramakrishna sabia que Naren se sentiria muito feliz em retornar para Ele.
Os três jovens permaneceram 3 ou 4 dias em Buda Gaiá, como hóspedes do Mahant do templo. Passados esses dias, começaram a sentir um forte desejo por ver o Mestre. Parte do dinheiro necessário para chegar a cidade de Gaiá lhes foi facilitado pelo Mahant. Aqui Naren encontrou um velho amigo de seu pai, que exercia a advocacia em Gaiá e que lhes convidou para uma suntuosa ceia em sua residência. Eles aceitaram o convite e Naren acrescentou brilho à ocasião, cantando várias canções. O resto do dinheiro para as passagens foi oferecido pelo generoso dono da casa e logo regressaram a Cassipore. O Mestre não cabia em si de contentamento, ao ver seu bem-amado Naren e lhe pediu que contasse tudo o que tinha visto, ouvido e experimentado em Buda Gaiá.
Naren ficou profundamente impressionado pelo que havia visto, ouvido e realizado em Gaiá e durante muitos dias não falou de outra coisa. Pouco depois, em 9 de abril de 1886, manteve a seguinte conversa com o Mestre e seus irmãos-discípulos.
S.R.: (a M): Naren esteve em Buda Gaiá.
M: (a Naren): Qual é a filosofia de Buda?
Naren: Ele não pode expressar o que tinha realizado; por isso que as pessoas o consideravam ateu.
S.R.: (por sinais): Por que um ateu? Não. Ele não pode expressar com palavras suas realizações. “Buda” significa que, por pensar na Consciência, pode-se converter na Consciência Mesma.
Naren: Sim Senhor. Há 3 espécies de Budas: Buda, Arhat e Bodisatwa.
S.R.: Isto também é o jogo de Deus – um novo jogo. Como podia Buda ser ateu? O estado no qual se é consciente do próprio Ser, não pode ser descrito como existência nem como co-existência.
Naren: Aqui as contradições se encontram. Oxigênio e hidrogênio constituem a água; além disso produzem a chama de oxi-hidrogênio. Neste estado de Buda, ação e inatividade são perfeitamente possíveis – me refiro ao trabalho inegoísta. As pessoas mundanas, submersas nos objetos dos sentidos, falam do mundo como existência e os que crêem na teoria de Maia falam do mundo como não-existência.
S.R.: Que disse Buda?
Naren: Ele não falou da existência de Deus, mas manifestou grande compaixão para com tudo. Um falcão estava para devorar um pássaro e Buda ofereceu sua própria carne para libertar a vítima. Que renúncia! Ele, filho de um rei, renunciou a tudo! Não há nada de extraordinário na renúncia de quem nada possui.
Depois de alcançar a iluminação e realizar o Nirvana, Buda voltou a casa paterna e pediu à sua esposa, seu filho e outros da família real, que abraçassem a vida monástica. Que grandiosa renúncia! Contrasta com a conduta de Vyasadeva: ele impediu que seu filho Vasudeva renunciasse ao mundo e o aconselhou a praticar a religião em seu lar. Ele falou unicamente da aniquilação dos desejos. Sentado em meditação sob uma árvore, disse: “Que este corpo se seque (que morra neste lugar) se não alcanço o Nirvana. Este corpo é um canalha; nada pode ser alcançado sem controla-lo”.
Sashi: Por que então você diz que a carne produz a qualidade Sattwa? Você aprova o consumo de carne, não é assim?
Naren: Sim, é verdade. Mas também posso viver exclusivamente de arroz e sem sal.
S.R. (a Naren): Bem. Você (referindo-se a si mesmo) encontra tudo, não é assim? É como um grande armazém que tem tudo, até o ingrediente mais insignificante.
Naren: Sim Senhor; tendo alcançado todos estes estados. O Senhor se mantém num nível mais baixo, por assim dizer.
S.R.: Sim; é como se alguém se mantivesse ali. (Tomando seu abano). Quando realizei Deus, Ele se tornou tão tangível quanto este abano. Desde então, vi que Deus e o que reside neste corpo (nele mesmo) são a mesma coisa.
Naren: A alma perfeita alcança sua própria libertação, mas retém o sentido de “eu” e “meu” e sofre de dor e prazer físico, para redimir a humanidade. Em troca, nós trabalhamos por compulsão, como o carregador de rikshó.
* * *
Reclinado conta 5 ou 6 almofadas
sustentadas por Sashi, falou até o ultimo momento de Naren e lhe deu seu último
conselho em voz baixa. Em seguida, repetindo 3 vezes o nome de Kali, se deitou
lentamente. Subitamente, a 1:02h do dia 16 de agosto de 1886, um estremecimento
passou pelo corpo do Mestre, seu véu e seu cabelo se eriçaram, seu olhar ficou
fixo na ponta do nariz e um divino sorriso iluminou seu rosto. Então o Mestre
entrou em Mahasamadhi, do qual não voltou a este plano de existência. Uma
cortina havia caído sobre uma grande vida espiritual. O espírito imortal, tanto
tempo confinado na estrutura física, fez explodir suas limitações de nome e
forma e se tornou um com o Infinito Espírito. As barreiras de tempo e espaço
foram quebradas e ele, que tinha sido a luz e guia de umas poucas almas, se
converteu em um Farol Espiritual para toda a humanidade.
Naren, o discípulo, se converteu em
Swami Vivekananda, o mestre. O jovem que se sentava aos pés de Sri Ramakrishna,
agora era o mestre de numerosos devotos e discípulos e um foco de
espiritualidade contagiosa. O espírito de Sri Ramakrishna penetrou nele. Esta
não foi tarefa de um dia ou um mês; foi um processo gradual.
* * *
Chegou o momento de desocupar a casa-jardim
de Cossipore. Surgiu, então, a interrogação: “Que aconteceria agora com os
jovens que tinham decidido renunciar a tudo para abraçar a vida monástica?”.
Tárak, Latu e Gopal, o mais velho, já tinham renunciado a seus lares e
famílias. Latu e Yoguin acompanharam a Santa Mãe a Vrindaban e logo a eles se
reuniu Tárak. Naren queria que os rapazes renunciassem imediatamente ao mundo.
* * *
Surendra, de imediato, foi vê-los e
lhes disse: “Irmãos, aonde irão? Permitam-me alugar uma casa onde vocês possam
viver juntos e os pais de família possam encontrar um refúgio temporário para
suas preocupações mundanas. Eu dava parte de meus ganhos para cobrir os gastos
de Cossipore; alegremente continuarei dando essa ajuda para aluguel de uma casa para vocês” . Ante este
gesto de Surendra, Naren se sentiu profundamente comovido.
Depois de uma intensa busca
encontraram uma casa situada em Baranagore, eqüidistante de Dakshineswar e
Calcutá. Era um lugar deserto,
deprimente, antiqüíssimo, com urgente necessidade de reparações e com a fama de
ser habitado por fantasmas.
Constava de 2 andares. O 1º andar era
lugar de reunião de lagartixas e serpentes. Não tinha porta de entrada e a
varanda do piso superior estava em ruínas; o quarto principal, onde viviam os
monges, se encontrava em um estado lamentável.
A leste da casa havia outra, que tinha
sido utilizada como capela e para o oeste, tinha um pequeno bosque selvagem
coberto de ervas-daninhas e um tanque coberto de musgo, que era um criadouro de
mosquitos. Tudo na casa era misterioso e fantasmagórico.
Esta
casa foi escolhida por seu baixo aluguel e por estar próxima do sagrado Ganges
e do crematório de Cossipore, onde o corpo do Mestre tinha sido entregue às
chamas. Os monges se sentiam muito felizes de poder escapar do tumulto da vida
da cidade e poder viver na solidão, onde teriam pouca possibilidade de serem
perturbados. O aluguel era de 10 rúpias mensais.
Tárak e Gopal, o mais velho, foram os
primeiros a ocupar a casa; alguns haviam regressado a seus lares e outros
andavam em peregrinação. Naren se via obrigado a ir a sua casa de vez em
quando; sentia que era seu dever tirar sua família da triste situação em que se
encontravam, antes de tomar, definitivamente, o caminho monástico.
* * *
No espaço de 1 ano, o Monastério de
Baranagore ficou completo com os jovens que tinham sido inspirados por seu
amado Mestre.
E que vida levavam! Sem vontade de
sair para mendigar, viviam com o que lhes chegava pela sorte. Muitos eram os
dias em que não tinham nada para comer, mas a prática espiritual, a meditação e
o canto continuavam, como seus corpos não existissem. Sua única roupa era o
kaupinan (tecido para cobrir o quadril) e uns pedaços de tecido Guerua.
Tinham somente um dhoti e um chadar de propriedade comum, para ser utilizado
por aquele que tivesse que sair do math e apresentar-se decentemente vestido
diante das pessoas.
Um tapete estendido no piso era
suficiente para dormir; uns poucos quadros de deuses e deusas e uma tampura
enfeitavam as paredes. A biblioteca consistia de uma centena de livros.
* * *
A melhor descrição daqueles dias em
Baranagore provém do próprio Naren. Depois de seu triunfo no mundo, um
discípulo lhe perguntou: “Swamiji, como vocês
se mantinham naqueles dias?”. A mente do Swami retrocedeu no tempo e seu
rosto refletiu tristeza e glória, a medida em que aquelas lembranças vinham à
sua mente. Subitamente disse ao discípulo: “Que pergunta tola, a sua! Nós somos
sannyasines; jamais pensávamos no amanhã. Vivíamos do que a sorte trazia. Suresh
Babu e Balaram Babu tinham se ido... se eles estivessem vivos, dançariam de
felicidade a vista deste Math! Suresh Babu é o criador de Baranagore e era quem
provinha nossas necessidades. Quem poderá iguala-lo em compaixão e fé!”.
Capítulo
XIII
DIAS DE
PEREGRINAÇAO – OS TIRTHAS DO NORTE.
Naren, como Swami Vivekananda (+-
1887), pregaria conscientemente com uma eloqüência estremecedora, o que os
santos tinham expressado com o silêncio. Esta grande tarefa começou em
Baranagore, com este pequeno grupo de monges e devotos como sua primeira
audiência.
* * *
Sarat encontrou um substituto para seu
trabalho e acompanhou o Swami a Hrishikesh. A viagem foi demasiada dura para o
discípulo. Acostumado com uma vida cômoda, encontrou logo a vida de monge, de
constante e terrível sádhana, plena de incertezas e inconvenientes. Mais tarde
disse: “Uma vez, em nossa peregrinação por lugares distantes e solitários dos
Himalaias, me senti desmaiar de fome e de sede. O Swami cuidou de mim e me
salvou de uma morte segura. Em outra ocasião, como um cavaleiro medieval,
conduziu seu cavalo entre a torrente de um rio de montanha muito perigoso, por
causa de suas rápidas correntes e leito escorregadio. Ele arriscou sua vida
várias vezes por mim. Quando me sentia demasiado doente para fazer algo por mim
mesmo, ele levava meus pertences pessoais e até meu calçado”.
Anos mais tarde, quando Sarat se
sentiu desamparado, perguntou ao Swami se ele o abandonaria. O Swami, com doce
severidade, respondeu: “Tolo! Não se lembra que carreguei até seus sapatos?”.
Em uma ocasião em que ambos cruzavam
uma selva, encontraram alguns ossos humanos esbranquiçados pelo sol e alguns
pedaços de tecido Guerua ao seu redor. “Olha – disse o Swami – aqui um tigre
devorou um sannyasin. Tem medo?”. Rapidamente o discípulo lhe respondeu: “NÃO!
Estando contigo não, Swamiji!”. Já naqueles dias, a força de seu caráter e seu
poder inspirado eram bem evidentes.
* * *
O Swami vivia em uma constante
insatisfação e ansiedade espiritual, sempre buscando, sempre lutando e sempre
analisando. Praticou severas sádhanas em um horto solitário de mendicantes,
onde se dizia ser habitado por fantasmas. Apesar de seu deficiente estado de
saúde, não mediu esforços para mergulhar sua alma na mais elevada Realidade.
Toda outra idéia lhe parecia insignificante, comparada com esta. Enquanto
prevalecia esse estado, seu espírito encontrava sossego, semelhante unicamente
ao que havia experimentado em Cossipore durante os últimos dias da vida se Sri
Ramakrishna.
Em seu intenso desassossego por
submergir no Absoluto, tinha esquecido as palavras do Mestre: “Agora você tem a
mais elevada realização. Por um momento ficará sob chave e a chave é meu poder.
Você tem muito trabalho que fazer; quando o tiver terminado, entrando em
samadhi, se desprenderá voluntariamente de seu corpo”.
No monte Abu, o destino colocou
novamente em seu caminho o Maharaj de Khetri. Aconteceu assim: o Swami estava
morando em uma caverna abandonada, praticando meditação e austeridades. Seus
únicos pertences eram duas tigelas, um pote para água e alguns livros.
Um dia um muçulmano, vakil de um
príncipe nativo, passou pelo lugar e viu o Swami. Impressionado com sua régia
aparência, decidiu falar-lhe. Poucos minutos de conversação foram suficientes
para ficar reverentemente assombrado pela erudição e sabedoria do monge. O
visitava freqüentemente. Um dia lhe perguntou se poderia ser-lhe útil em alguma
coisa. O Swami lhe disse: “A estação das chuvas está chegando. Esta caverna não
tem porta; se o senhor quiser, poderá me fazer uma porta”.
Muito satisfeito o vakil lhe disse:
“Swamiji, esta caverna é espantosa, mas se me permite, lhe darei uma sugestão;
eu vivo só num formoso bangalô aqui. Se o senhor quiser viver comigo, eu me
sentiria muito abençoado”. Quando o Swami aceitou a proposta, o vakil disse:
“Mas eu sou muçulmano. Isto significa que prepararei sua comida em separado”. O
Swami, fazendo pouco caso desta observação, se foi com o vakil ao seu bangalô.
* * *
A primeira coisa que Jagmohalal lhe
disse foi: “Bem Swamiji, o senhor é um monge hindu; como podes estar vivendo
com um muçulmano? Seu alimento pode ser tocado por ele”. Ante esta observação,
o rosto do Swami se incendiou de indignação. Disse: “Senhor, que queres dizer
com isso? Sou um sannyasin; estou acima de todas as convenções sociais. Posso
comer até com um bhangi; não temo a Deus porque Ele o aprova; não temo as
escrituras porque elas o permitem. Mas temo a vocês, as pessoas e sua
sociedade. Você não sabe nada de Deus e das escrituras. Eu vejo Brahman
manifestado em todas as partes, até na criatura mais insignificante. Para mim,
não há tal coisa, como elevado ou baixo. Shiva, Shiva!”. Um resplendor de
divino fogo se espalhou ao seu redor e Jagmohanlal ficou em silêncio.
Pode parecer estranho que o Swami, sendo tão austero e de firme
renúncia, passasse grande parte de seu tempo nos palácios dos Príncipes e em
companhia dos Dewans. Muitos o criticaram severamente por isso. O Swami
respondia que sua intenção era influir sobre os Maharajas e atrair sua atenção
para a vida religiosa assegurando, assim, o cumprimento de seu Swadharma, que
consiste em governar para o bem-estar dos povos. Destes príncipes dependia não
só o bem-estar e a tranqüilidade, mas também o progresso de seus súditos. Eles
eram quem poderia instaurar reformas liberais, melhorar os métodos de educação
e estabelecer instituições filantrópicas e caritativas em seus territórios.
“Se eu posso ganhar para a minha causa aqueles, em cujo poder se acha
a riqueza e a administração dos assuntos e negócios de milhões, minha missão
ficará cumprida muito mais rápido; influenciando a um só dos Maharajas posso,
indiretamente, beneficiar milhões de pessoas”.
* * *
Seu anfitrião (Babu Haridás
Chatteryi, advogado), lhe pediu que desse uma conferência pública, mas o
Swami lhe disse que nunca tinha falado em público e que não tinha experiência
em como modular sua voz do palco. No entanto, poderia tentar se, no caso, a
audiência presidida pelo Deputado Apoderado se mostrasse compreensiva. Dado que
as condições propostas não eram praticáveis num lugar não muito progressista
como Khandwa, teve que abandonar a idéia.
*
* *
Em Khandwa, captamos o primeiro
vislumbre de sua intenção formal de participar do Parlamento das Religiões de
Chicago. Em Yunagad ou em Porbandar, ele tinha ouvido sobre esta grande
convenção religiosa que se realizaria no ano seguinte. Disse a Haridás Babu:
“Se alguém me ajudar com os gastos, eu poderia ir”.
* * *
Um dia, achando-se a sós com seu
hóspede (Haripada Mitra), o Swami lhe falou de sua intenção de embarcar
para América, para participar do Parlamento das Religiões de Chicago. Seu
hóspede ficou encantado com a notícia e a espalhou com todo entusiasmo,
propondo começar uma subscrição na cidade para tal fim. O Swami, por razões
melhores conhecidas por ele mesmo, se opôs a tal projeto.
Capítulo XVII
DO SUL DA ÍNDIA AO CABO
COMORIN
Um dia o Swami foi chamado ao apartamento do Príncipe (Maharaj de Mysore), que estava acompanhado do Primeiro Ministro. O Maharaj lhe perguntou: “Swami, por favor, que posso fazer pelo senhor?”. O Swami, esquivando a resposta, começou a descrever sua missão. Explanou principalmente a condição da Índia, dizendo que suas posses eram de caráter filosófico e espiritual e que achava ser urgente a necessidade de idéias científicas modernas, como também de uma profunda reforma orgânica; que era o dever da Índia dar o tesouro que possuía aos povos do ocidente e que ele mesmo tinha a intenção de ir a América para pregar o evangelho da Vedanta, às nações do ocidente.
O príncipe prometeu colaborar com os fundos que fossem necessários para cobrir seus gastos de viagem. Por alguma razão só conhecida pelo Swami, desprezou a generosa oferta do Maharaj, nessa ocasião.
* * *
O Swami continuou a viagem para Kanyakumari (Cabo Comorin), no extremo sul da Índia. Aqui, finalizou sua grande peregrinação, que se estendeu para o Norte até as distantes regiões de neves eternas, onde os Himalaias penetram no Tibet.
Pensou no sacratíssimo solo da Índia e na muito profunda vida espiritual, da qual Badarikashrama e Kanyakumari eram seus pontos principais. Sentia-se ansioso como uma criança para ver sua Mãe; chegando ao templo, ficou prostrado em êxtase, ante Sua imagem. Finalizada a adoração, cruzou o oceano nadando vigorosamente até uma rocha , separada por 1,5 Km do território da Índia. Ao seu redor, o oceano bramava e se enfurecia; muito mais turbulenta era a tempestade em sua própria mente.
Ali, sentado sobre a última rocha da Índia, entrou em profunda meditação sobre o presente e o futuro de seu país. Buscou, no íntimo de seu coração, qual era a raiz da sua decadência e com a visão de um Rishi, compreendeu porque a Índia tinha sido derrubada de seu pináculo, de sua glória, para as obscuras profundidades da degradação.
O simples monge se transformou em um grande reformador, um grande organizador e num grande mestre-construtor da nação. Ali, onde tudo era silêncio, pensou no cumprimento das esperanças do mundo hindu. Ele não pensava em sua Bengala, Maharashtra ou no Punjab, mas na Índia e sua vitalidade.
*
* *
Depois de sua meditação, determinou-se a ir ao Ocidente. Conseguiria fazer com que esse Ocidente individualizado e agressivamente consciente de si mesmo, se inclinasse ante a experiência Oriental, personificada na mensagem da Índia ao mundo.
Sim; Aquele sobre o qual os monges
concentram o ideal da raça e da realização, Aquele, em Sua totalidade, pregaria
ao Ocidente. Mediante sua pregação e a de outros que posteriormente o
seguiriam, a Índia se levantaria como uma grande luz, como o Sol, iluminando o
mundo inteiro. Atiraria para longe de si até a felicidade do Nirvana Samadhi,
pela libertação de seus irmãos da Índia e do mundo inteiro!
Assim lhe foi revelado o espírito de
Sri Ramakrishna em uma das visões mais luminosas de sua vida, como fruto de
suas profundas meditações e severas austeridades de muitos anos.
Não é de se espantar que, anos mais tarde,
referisse a si mesmo, diante de um de seus queridos discípulos do Ocidente,
como “Índia condensada”.
Capítulo
XVIII
CLARÕES DE DIVINDADE NA VIDA DE PARIVRAJAKA
Uma vez, durante suas peregrinações,
ocorreu ao Swami a idéia de que ir de lugar em lugar e mendigar sua comida de
porta em porta, não era o propósito de sua vida para realizar aquilo que o
tinha feito renunciar a tudo. Em uma carta que escreveu nesse tempo a um de
seus irmãos-discípulos disse, visivelmente deprimido: “Ando daqui pra lá recebendo
alimento da casa dos outros, sem o menor escrúpulo, nem remorso, como um
corvo”.
Pensou: “Não vou mendigar mais. Que
benefício obtém o pobre alimentando-me? Se eles podem arranjar um punhado de
arroz, alimentariam melhor seus filhos. De que serve manter esse corpo, se não
posso realizar Deus?”. Um profundo ascetismo se apoderou dele e uma terrível
insatisfação espiritual o invadiu, tal como somente ocorre aos grandes
místicos. Resolveu internar-se no meio de um bosque e como um Rishi da
antiguidade, queria deixar cair o corpo de fome e inanição.
Caminhou através do bosque durante
todo o dia, sem comer nada. A noite se aproximava. Fraco e cansado atirou-se
debaixo de uma árvore, com sua mente no Senhor. Logo viu que se aproximava um
tigre e foi sentar-se a uma certa distância. O Swami pensou: “Nós dois temos
fome. Este corpo não serviu para a absoluta realização e, portanto, não é útil
para o mundo. Que o seja para esta fera faminta”. Ele permaneceu sentado,
sereno e imóvel, esperando o ataque do tigre; mas por uma razão ou outra, o
animal tomou outra direção. O Swami esperou, mas o tigre não voltou. Passou a
noite no jângal, ao amparo da árvore, em comunhão com sua própria alma.
Ao despontar o dia, refletiu no
silêncio do bosque, sobre a Providência protetora do Mais Elevado e uma
tremenda sensação de poder o invadiu. A plenitude desta experiência foi
conhecida somente por ele.
* * *
Numa outra ocasião, atravessava uma zona desértica a pé, no Cutch. Os
raios do sol caiam verticalmente sobre ele. Sentia a garganta ressecada e para
onde dirigia sua vista, não encontrava sinal de vida humana. Logo alcançou um
grande taque de água, sinal de que havia uma aldeia próxima. Apressou o passo,
mas por mais que andasse, não conseguia chegar ao lugar. Finalmente deu-se
conta de que era só uma miragem. E pensou: “Assim é a vida! Tal é a ilusão de
Maia!”. Levantou-se e seguiu o caminho, sem deixar-se enganar pela miragem, que
continuava vendo. Quando, no Ocidente, deu uma série de conferências sobre
Maia, ele a comparou com uma miragem, apresentando esta sua experiência como
exemplo.
Capítulo XIX
EM MADRÁS E HIDERABAD
O destino trabalhava de maneira muito estranha. Aconteceu que Mr.
Manmatha Nath Battacharya, se encontrou acidentalmente com o Swami, que vinha de
Rameswaram com seu báculo e kamandalu na mão. Ao saber que o Swami ia a Madrás,
Mr. Battacharya insistiu para que viajassem juntos e fosse seu hóspede. O Swami
consentiu e ambos partiram para Madrás. Ali o Swami conheceu muitos jovens da
alta sociedade da cidade esperando-lhe. Estes jovens se converteram em seus
discípulos. Desde o dia de sua chegada, o Swami se viu assediado por numerosos
visitantes.
A partir desse momento, o Swami pareceu entrar no caminho real do
reconhecimento público. Foi em Madrás que muitos jovens se tornaram seus
dedicados devotos. Foi ali que ele obteve os meios que lhe permitiria viajar
para a América; foi em Madrás que a mensagem de seu Mestre adquiriu uma rápida
propagação e aceitação e foi aqui que começou seu primeiro trabalho na Índia,
quanto a organização e difusão. Finalmente, foram seus discípulos de Madrás que
espalharam amplamente sua mensagem, muito antes que o Swami regressasse do
Ocidente.
* * *
Mr. V. Subramanya Iyer conta que foi com alguns alunos do colégio, à
casa de Mr. Bhattacharya, com a intenção de divertir-se. Encontraram o Swami
fumando seu cachimbo, semi-desperto, aparentemente em profunda meditação. Um
dos estudantes, que era mais ousado que os outros, lhe perguntou: “Senhor, que
é Deus?”. O Swami continuou fumando, ignorando a pergunta. Em seguida, levantou
seus olhos e disse: “Meu amigo, o que é a energia?”. Ninguém pôde dar uma clara
definição. Então o Swami se incorporou e disse: “Ninguém de vocês pode definir
uma simples palavra como ‘energia’, que utilizam na vida diária e mesmo assim,
pretendem que eu defina Deus”.
* * *
(02/1893)
Na manhã do dia 13, manteve uma entrevista previamente agendada, com
Sir Ashman Jah, o Primeiro Ministro de Hyderabad, o Maharaj Narendra Krishna
Bahadur (Peshakar do Estado) e o Maharaj Shew Raj Bahadur. Todos estes nobres prometeram ajuda para o
projeto de trabalho de difusão, na América. À tarde, ele deu uma conferência no
Mahaboob College, sobre “Minha Missão no Ocidente”, a qual foi presidida pelo
Pandit Rattan Lal. Muitos europeus participaram do ato, que contou com uma
audiência de mais de mil pessoas. O perfeito domínio do inglês, sua erudição,
seu poder de expressão e sua eloqüência, foram uma revelação para todos. No dia
seguinte, os renomados banqueiros de Begum Bazar, encabeçados por Sett Motilal,
o entrevistaram e lhe prometeram sua colaboração, encarregando-se dos gastos da
viagem.
* * *
Assim como, ao iniciar sua vida de Parivrajaka, ele havia solicitado a
bênção de Sarada Devi, agora desejava profundamente recebe-la para essa viagem
mais longa. Escreveu à Santa Mãe, Sarada Devi, pedindo-lhe sua bênção, ao mesmo
tempo em que lhe rogava que guardasse silêncio quanto a seus planos. Podemos
imaginar quais foram os sentimentos da Santa Mãe, ao receber esta notícia.
Fazia muitos meses que não tinha notícias do mais amado dos discípulos do
Mestre, por quem ela sentia um carinho especial. Seu instinto maternal temeu,
por um momento, ante semelhante empreendimento, mas imediatamente reconheceu a
vontade do Mestre; então colocou de lado seus sentimentos pessoais e lhe enviou
suas bênçãos, com uma carinhosa recomendação. Quando o Swami recebeu a carta,
plena de felicidade, sentiu-se seguro de sua missão.
* * *
(31 de
maio de 1893)
O Swami permaneceu na ponte, olhando para a terra, até que a perdeu de
vista, enquanto enviava suas bênçãos a todos os que o amavam e que ele amava
profundamente. Com o coração enevoado de emoção, pensou no Mestre, na Santa Mãe
e em seus Gurubhais. Pensou na Índia e em sua cultura, na sua grandeza e seus
sofrimentos, nos Rishis e no Dharma e seu coraçao pareceu explodir de amor por
sua terra natal. Lentamente se viu rodeado pelas obscuras águas do oceano,
enquanto dizia para si mesmo: “Na realidade, a terra da Renúncia me dirigiu à terra
do Prazer”. Mas, para ele, só havia trabalho e mais trabalho, esforço, luta,
dificuldades e ascetismo, tudo o que faria em migalhas o seu corpo. Sim, não
teria um minuto de descanso. Tinha diante de si, somente nove anos de vida, os
quais passaria em constante serviço e sofrimento.
Capítulo XX
RUMO AO OCIDENTE –
SEUS PRIMEIROS DIAS NA AMÉRICA
De Yokohama, o navio foi para
Vancouver. Do velho ao novo Mundo! A medida em que ele se aproximava do porto
de Vancouver, na Colúmbia Britânica, o Swami conseguia visualizar a terra de
suas esperanças. Durante toda a viagem por mar, ele tinha sofrido muito a falta de roupas quentes, pois ninguém
percebeu que uma viagem que começaria no verão, acabaria no inverno.
De Vancouver ele seguiu viagem por trem até Chicago, atravessando o
Canadá. Finalmente ele chegou, como uma criança aturdida e zonza, no labirinto
da cidade de Chicago onde, por falta de experiência no manejo do dinheiro, foi
enganado e saqueado a cada passo.
Podemos imaginar qual seria o estado de sua mente. Carregado de seus
pertences, pela primeira vez em sua vida, não sabendo onde ir, chamando a
atenção por causa de sua vestimenta esquisita, molestado pelas crianças que
corriam atrás dele para divertir-se,
cansado e confuso pelos preços exorbitantes dos
vendedores, aturdido pelas multidões, na sua maior parte, visitantes da
feira mundial e querendo encontrar um hotel. Quando, finalmente, encontrou-se
só, entre suas coisas, tratou de acalmar sua mente.
* * *
Suas esperanças receberam um duro golpe, quando precisou se apresentar
no departamento de informação da exposição, para ser averiguada a data de
abertura da grande convenção. Para seu desespero, percebeu que isso aconteceria
depois da primeira semana de setembro e que não seria admitido nenhum delegado,
sem as devidas referências; fora isto, já havia espirado o prazo para a
admissão. Esta notícia quase aniquilou o espírito do Swami. Soube que havia
chegado muito precocemente. Além disso, se deu conta de que teria que ter vindo
com um representante de alguma organização reconhecida. Perguntava-se por que
tinha sido tão tolo e dado crédito a esses estudantes sentimentais de Madrás,
totalmente ignorantes dos requisitos necessários para atuar como delegado.
* * *
Lentamente a névoa do caminho ia-se dissipando. Sabia-se quais pessoas
o entrevistariam. Entre elas, J.H. Wright, professor de grego na Universidade
de Harvard, com quem discutiu diversos temas durante quatro horas. O Swami
tinha perdido toda a esperança de falar no Parlamento das Religiões, mas... que
maravilhosos são os modos do Senhor! O prof. Wright ficou tão impressionado
pela sabedoria do Swami, que insistiu que ele deveria representar o hinduismo
no parlamento. Disse: “Este é o único meio, mediante o qual você pode se
introduzir em toda a nação”. O Swami explicou suas dificuldades e lhe disse que
não tinha credenciais. O prof. Wright, que tinha reconhecido sua genialidade,
respondeu: “Pedir a você, Swami, suas credenciais, é como pedir ao sol que
declare seu direito de brilhar”. Então lhe assegurou que se encarregaria dos
trâmites necessários para obter um lugar no parlamento, como representante do
hinduismo.
O Parlamento Mundial das Religiões, que foi celebrado na cidade de
Chicago, em setembro de 1893 foi, sem dúvida, um dos maiores eventos da
historia das religiões, especialmente do hinduismo. Seu alcance e significado
puderam ser apreciados com o passar do tempo.
* * *
Um notável escritor americano, referindo-se ao Parlamento e ao Swami,
disse:
“Com anterioridade à Convenção do Parlamento das Religiões, adjunto à
Exposição Mundial de Columbia, em 1892, realizada em Chicago, nada se sabia de
Vivekananda neste país. Nesta auspiciosa ocasião, sem dúvida, ele apareceu em
toda sua fulgente grandeza. Foi numa 2ª-feira, 11 de setembro de 1893, às 10
horas da manhã, quando teve lugar o discurso de abertura o Instituto de Arte,
Chicago, pelo Dr Barrows, quando extraímos os seguintes parágrafos:
“Naquela memorável segunda-feira de manhã, se achavam sentados na
plataforma do Grand Hall de Columbia, representantes das esperanças e crenças
de 120 milhões de seres da raça humana. No centro se achava o Cardenal Gibbons,
o mais alto prelado da Igreja Católica Romana para o ocidente. Sentado em uma
cadeira presidencial, abriu a assembléia com sua pregação. A sua direita e
esquerda, se encontravam os delegados do oriente, cujos refulgentes
representantes rivalizavam em colorido e esplendor, com sua própria vestimenta
de cor escarlate.
“Entre os seguidores de Brahma, Buda e
Maomé, destacava-se um monge da Índia, de nome Vivekananda. Vestia um magnífico
traje cor laranja e turbante da mesma cor. Seus formosos traços físicos e sua
tez bronzeada, atraíam a atenção de todos os ali reunidos. A seu lado estava
Nagarkar, do Brahmo Samaj, representante dos hindus teístas; em seguida,
Dharmapala, representante do budismo do Ceilão e Mazoomdar, líder dos teístas
da Índia. A outros nobres, não mencionaremos por falta de espaço. Por outro
lado, isso bastará, para dar uma idéia do ambiente que nos rodeava. Na ordem
numérica, Vivekananda correspondia ao número trinta e um”.
* * *
Que tinha em comum o simples e genuíno
monge errante, o Sadhu hindu, com essa gigantesca representação e seus altos
funcionários? Ah!... Ele tinha muito que haver com eles, como veremos em
seguida. Somente sua presença tinha atraído a atenção de muitos. Muitos dos
arcebispos, bispos, prelados e teólogos o admiravam por sua atrativa vestimenta
e seu magnífico porte. Ele, por sua vez, permanecia, por momentos, sumido em
uma silenciosa oração e estremecia ante a eloqüência dos que falavam. Várias
vezes ele foi convidado a falar, mas respondia ‘Não, agora não’. O Presidente
chegou a pensar se este jovem tinha, realmente, intenção de falar ou não. No
final da tarde, diante da insistência do Presidente, o Swami se colocou de pé.
Seu rosto resplandecia como fogo e
seus olhos percorreram, com um olhar sereno, a enorme audiência diante dele. A
ansiedade se fez evidente e todos aguardavam suas palavras em meio a um
silêncio tal, que seria possível ouvir o
cair de um alfinete.
Inclinando-se diante da Deusa
Saraswati – a Deusa da Sabedoria, dirigiu estas primeiras palavras à sua
audiência: “Irmãs e irmãos da América”. Antes que pudesse pronunciar uma
palavra mais, todos os presentes se sentiram preenchidos por uma tremenda onda
de entusiasmo. Centenas deles de puseram de pé, em meio a aclamações e aplausos.
O Parlamento havia enlouquecido: todos o aplaudiram e reverenciaram.
O Swami ficou aturdido. Durante dois exatos
minutos, pretendeu falar, mas o entusiasmo enlouquecedor do público não o
permitiu. Quando se restabeleceu a calma e o silêncio, o Swami começou sua
dissertação, agradecendo à mais jovem das nações, em nome da Ordem Védica de
Sannyasines. Logo apresentou o hinduísmo como “A Mãe das Religiões” – uma
Religião que tinha ensinado ao mundo a tolerância e a aceitação universal”.
* * *
...dirigiu-se a vasta audiência como
“Herdeiros da Felicidade Imortal” e declarou, com apostólico poder:
“Sim; nós, os hindus, nos recusamos a
chamá-los de pecadores...
“Vocês são filhos de Deus, partícipes da felicidade imortal, seres
puros e perfeitos. Vocês, divindades sobre a terra...pecadores? É pecado chamar
assim a um homem, é uma calúnia à natureza humana! Ergam-se, oh leões! E
sacudam essa ilusão de que são ovelhas; vocês são almas imortais, espíritos
livres, bem-aventurados e eternos. Não são matéria, não são corpos. A matéria é
sua servidora e não vocês os serventes da matéria.
“É assim que os Vedas
proclamam, não uma terrível combinação de leis inexoráveis, implacáveis, uma
infinita prisão de causa e efeito, mas a frente de todas essas leis e através
da cada partícula de matéria e energia, se ergue o UNO, por cujo mandato o
vento sopra, o fogo arde, a chuva cai e a morte passa pela terra com passo
majestoso’. E qual é sua natureza? Ele está em todas as partes, o Puro e
Sem-forma; Todo-poderoso e Todo-misericordioso. Só conhecendo a Ele, serão
salvos novamente da morte e alcançarão a Imortalidade”.
* * *
E foi assim que o desconhecido monge floresceu em uma figura mundial;
que o monge errante dos dias solitários na Índia, se converteu no Profeta da
uma Nova Dádiva.
Seu nome ressoava por todos os lugares. Pelas ruas de Chicago se viam
quadros com sua fotografia em tamanho natural e esta legenda: “O MONGE
VIVEKANANDA”. Os transeuntes se detinham e o reverenciavam, inclinado a cabeça.
A imprensa proclamou sua fama. Os jornais principais e os mais conservadores o
intitularam ‘Um profeta e um Sábio’. O New Herald referiu-se ao Swami nesses
termos:
“Vivekananda é, indubitavelmente a figura mais destacada do Parlamento
das Religiões. Depois de escuta-lo, compreendemos o quanto é insensato enviar
missionários à Índia onisciente!”.
O Boston Evening Transcript
escreveu sobre Vivekananda:
“O Swami é o grande favorito do Parlamento, tanto pelo seu porte
majestoso e principesco, como pela grandeza de seus sentimentos. Se
simplesmente cruza o palco, as pessoas o aplaudem... E esta espontânea
aprovação é recebida por ele com um sorriso satisfeito e infantil, sem o menor
vestígio de presunção....
“No Parlamento, habituaram-se a reservá-lo para o final do programa,
de modo que as pessoas permanecessem em seus lugares até o final da sessão. Num
dia caloroso, quando um orador insosso e árido prolongava seu discurso,
centenas de pessoas começaram a retirar-se. Então o presidente se colocou de pé
e anunciou que o Swami Vivekananda daria uma breve dissertação, justo antes da
bênção. Desta maneira conseguia manter a paciente audiência cravada em seus
assentos.
“Os 4 mil admiradores no Hall de Columbia permaneciam sentados,
sorridentes e expectantes, esperando uma ou duas horas de monótonos discursos,
para escutar Vivekananda durante 15 minutos. O presidente conhecia a velha
fórmula de como manter em seu lugar o melhor da audiência até o final”.
Detroit,
fevereiro de 1894: parte do discurso
“Peço-lhes que não interpretem como uma crítica o que vou lhes dizer.
Vocês treinam, educam e pagam homens para fazer o que? – para ir a meu país,
maldizer e insultar a todos os meus antepassados, minha religião e tudo o mais.
Passam com toda displicência frente ao templo e dizem: “Vocês idólatras, irão
todos para o inferno!”. Mas o hindu é pacífico por natureza, sorri e segue seu
caminho pensando: “Deixemos que estes tolos falem!”. Esta é nossa atitude.
Agora, se eu chego a toca-los com a crítica mais sadia e com o propósito mais
generoso, se revoltam e gritam: ‘Não nos toque. Somos americanos, nós
criticamos, maldizemos e insultamos a todos os pagãos do mundo, mas não nos
toque, somos muito sensíveis!”.
* * *
Em algumas ocasiões, ele contestava com humor, como aconteceu quando
uma senhora que, durante a conferência que deu em Mineápolis, lhe perguntou se
as mães hindus atiravam seus filhos no rio, para que fossem engolidos por
crocodilos. O Swami, com seriedade, respondeu: “Sim, senhora! Eu também fui
atirado ao rio, mas como o Jonas de sua fábula, saí da barriga do crocodilo”.
* * *
Suas dissertações, nesse período, foram intensamente religiosas e
filosóficas. Deu-se conta, no entanto, que a Agência de Conferências o estava
explorando e enganando. Por exemplo: de uma conferência, lhe correspondia uns
$2500, dos quais recebeu somente uns $200. No princípio, com o fim de assegurar
o negócio, o gerente tinha chegado a lhe entregar até uns $900 por somente uma
conferência, mas pouco depois, por razões conhecidas somente por ele, baixou a
porcentagem de tal maneira, que até o Swami, tão desinteressado pelas coisas
mundanas, se deu conta de que o estavam enganando. Depois de algumas semanas
cortou relações com a Agência, apesar do que a perda do dinheiro significava.
Porém, nem a glória, nem o êxito financeiro interessavam a ele; seu objetivo
era ter o suficiente para abrir centros filantrópicos nas províncias da Índia.
Mesmo assim, sentiu-se desgostoso pelo que ele classificava “o absurdo da vida
pública e das publicações jornalísticas”.
* * *
Referindo-se aos contrastes entre a emancipação da mulher no ocidente
e a reclusão da mulher em seu próprio país, escreveu:
“Vocês podem melhorar as
condições de suas mulheres? Então haverá esperança para o seu bem-estar. Caso
contrário, permanecerão tão atrasados como agora. E quanto à espiritualidade,
os americanos são inferiores a nós: por outro lado, sua sociedade é muito, mas
muito superior a nossa. Nós lhes ensinaremos espiritualidade e assimilaremos o
melhor de seu sistema social”.
“Ingersol uma vez me disse: ‘Eu creio que devemos tirar todo o
proveito possível deste mundo, espremendo-o como uma laranja, até deixa-la
seca, porque este mundo é o único no qual estou seguro’. Eu lhe respondi: ‘Conheço
uma maneira melhor de espremer a laranja deste seu mundo e, além disso, tirar
proveito. Eu sei que não posso morrer, portanto não tenho pressa; sei que não
há nada o que temer e, assim, desfruto do ato de espremer. Não tenho ligações
com esposa, filhos e prosperidade. Por conseqüência, posso amar a todos os
homens e mulheres do mundo. Todos são Deus, para mim. Pense na felicidade de
amar o homem como Deus! Esprema sua laranja desta maneira e obterá mil vezes
mais benefícios. Aproveite até a última gota!”.
* * *
Durante este período, o Swami recebeu convites após convites para
falar em clubes, igrejas e sociedades privadas. Aceitou quase todos, na medida
do possível. É assim que o encontramos viajando na parte oriental e nos estados
do meio-oeste – de Chicago a Nova York, de Boston a Baltimore.
O Swami dava entre 12 e 14
conferências semanais. O esforço físico e mental começou a ter suas
conseqüências. Ele mesmo confessou que, durante uma série de conferências,
devido ao grande esforço, chegou a sentir-se intelectualmente esgotado. Nesses
momentos, se perguntava: “Que farei! Que vou dizer na conferência de amanhã!”.
E nesses momentos chegava ajuda de uma maneira inimaginável.
Por exemplo: nas últimas horas da noite, ouvia uma voz anunciando-lhe
os temas e os pensamentos que devia expressar pela manhã. Às vezes, essa voz
vinha de longe e gradualmente ia se aproximando dele. Ou também era como se
alguém estivesse dando uma conferência ao seu lado e ele, deitado em sua cama,
escutava. Em outros momentos ouvia duas vozes discutindo, diante dele, os temas
que ele repetia no dia seguinte, quando estava no palco. Outras vezes essas
discussões incluíam idéias que jamais tinha ouvido ou pensado
anteriormente.
LIVRO
III
Capítulo
XXIII
O COMEÇO DO TRABALHO
O Swami era uma pessoa supremamente apta para ensinar as práticas de meditação. Tendo praticado inumeráveis formas de meditação sob a carinhosa condução de seu Mestre, conhecia todos os detalhes relacionados com os distintos graus e estados: estava qualificado para conhecer a tendência natural de cada discípulo e guia-los de acordo com suas tendências particulares, dando a cada um, segundo sua natureza, um ideal especial e uma forma particular de meditação.
A fase cientifica de sua mente lhe deu um profundo conhecimento dos exercícios racionais de Yoga; podia, portanto, analisar tanto suas próprias experiências, como as de seus discípulos, dando uma interpretação mais subjetiva que objetiva, mais às visões que aos fenômenos que ocorrem durante a meditação. E seu conselho ficava confirmado por meio da razão. Dizia a seus discípulos que ele mesmo tinha experimentado tudo o que ensinava.
Suas teorias de anatomia do sistema nervoso e sua relação com o cérebro; a relação entre os estados da mente e os transtornos nervosos atraía a atenção de muitos notáveis médicos e fisiologistas americanos, alguns dos quais apoiavam as teorias apresentadas pelo Swami, reconhecendo que continham uma cuidadosa investigação.
Sua asseveração de que a meditação expandia e desenvolvia as faculdades humanas e produzia experiências supra-normais – até então consideradas como fenômenos milagrosos – interessaram os mais celebres psicólogos americanos, particularmente o Prof. William James, da universidade de Harvard.
*
* *
Encontrando-se o Swami quase que totalmente esgotado, no começo de julho de 1895, aceitou o convite de um de seus amigos, para ir a Percy (New Hampshire), para um período de descanso, no silêncio de seus frondosos pinheiros. Suas aulas, em Nova York, tinham alcançado proporções inimagináveis. Mesmo assim, estas aulas ficariam empalidecidas pela glória e a luminosidade das que haveria de dar em Thousand Island Park, num futuro próximo.
Antes de sair para Percy, seus discípulos se mostraram ansiosos para que ele voltasse e continuasse o trabalho de ensinar-lhes durante os meses de verão, mas devido a seu extremo cansaço, o Swami resolveu não trabalhar durante os cansativos meses de verão. Ademais, muitos de seus discípulos passavam suas férias à beira do mar, ou em lugares montanhosos.
O problema se resolveu assim.
Uma das estudantes tinha um chalé em Thousand Island Park – a maior ilha do rio
St. Lawrence. Esta discípula o ofereceu ao Swami e a todos os estudantes que
fosse possível acomodar nesse lugar. Este plano atrasou o Swami, que aceitou
reunir-se com seus estudantes, depois de uma breve visita ao Maine Camp (Percy,
N.H.), de um de seus amigos.
O Swami tinha dito que, os
estudantes que estivessem dispostos a deixar todos os outros interesses para
dedicarem-se ao estudo da Vedanta, viajando 500 km, seriam os que ele
reconheceria como seus discípulos. Não esperava que fossem muitos os que se
disporiam a tanto incômodo, mas aos que fossem, ele ajudaria na sua senda.
* * *
Trecho
da carta da Sra. Funke à uma amiga.
“Estamos aqui vivendo sob o mesmo teto que o Swami Vivekananda!
Escutando-lhe desde as 8 da manhã até a entrada da noite. Nem em sonhos pude
imaginar algo tão maravilhoso, tão perfeito. Estar com Vivekananda! Ter sido
aceita por ele!”.
* * *
“Algumas vezes diz: “Vou cozinhar para vocês”. É um excelente
cozinheiro e lhe encanta servir seus irmãos. A comida que ele prepara é
deliciosa, mas para ‘yours truly’ (como jocosamente chama aos americanos), é
demasiado picante e temperada com diversas especiarias, mas eu decidi comer até
sufocar – que é o que na realidade me acontece. Se um Vivekananda pode cozinhar
para mim, o mínimo que posso fazer é comer. Bendito seja!
“Em outros momentos, tudo é alegria. Swami ia para o salão, com um
guardanapo branco dobrado sobre o braço, a maneira dos garçons e com uma
entonação perfeita, imita seu chamado para o almoço: ‘Senhoras e senhores,
último chamado para a mesa. A comida está servida...’. Irresistivelmente
divertido! E logo na mesa, gargalhadas por algum gesto ou hábito que ele
infalivelmente descobre nas pequenas personalidades de cada um de nós, mas
jamais com sarcasmo ou malícia – só saudável alegria”.
* * *
Trecho da carta de
Sister Cristine – ainda em Thousand Island Park.
“No princípio de junho, 2 ou 4
deles se reuniram com ele em Thousand Island e o ensinamento logo começou. Nós
chegamos em 6 de julho de 1895. O Swami tinha o projeto de iniciar vários dos
residentes no dia 8, segunda-feira. No domingo à tarde nos disse: ‘Não as
conheço o suficiente para saber se estão em condições de serem iniciadas’.
“Logo, com certa timidez, acrescentou: ‘Tenho um poder que raramente
uso, posso ler a mente. Se vocês me permitirem, me agradaria ler suas mente,
porque é meu desejo iniciar-lhes na semana que vem, junto com os demais’.
Assentimos alegremente. Deve ter ficado contente com sua leitura porque, no dia
seguinte, junto com os outros, nos deu um mantra e nos converteu em seus
bem-aventurados discípulos.
“Pouco depois, ao perguntar-lhe o que tinha lido em nossas mentes, nos
disse que comprovou que seríamos fiéis e que progrediríamos na vida espiritual.
“Descreveu algo que tinha visto, sem nos dar explicação alguma. Num
caso, tinha visualizado algumas viagens longas, possivelmente a países do
oriente. Nos descreveu as casas em que viveríamos, as pessoas com as quais nos
conectaríamos, as influências que afetariam nossas vidas, etc. Quando lhes
perguntamos como sabia, nos disse que essa faculdade podia ser alcançada por
qualquer pessoa. O método era simples e fácil – pelo menos de relatar.
“Primeiro tinha que se pensar em um espaço estendendo-se para longe;
logo as fotografias começam a aparecer. Estes quadros devem ser interpretados.
Ele viu que uma de nós ficaria permanentemente conectada à Índia. Nos predisse
fatos importantes e outros secundários, a maioria dos quais se confirmaram com
o tempo.
“Nessa leitura lhe foi revelado a substância, a capacidade e o caráter
da personalidade. Tendo passado essa prova, nunca mais poderia nos faltar a fé
em nós mesmas, nem nos sentirmos desalentadas em nenhum momento. Porque a
personalidade tinha recebido o selo de aprovação deste ser único no mundo”.
* * *
“Apesar de somente um de nós ser mais novo que ele, parecia um pai, ou
melhor, uma mãe, quanto à paciência e a doçura. Quando a tensão se tornava
perigosa dizia, com toda a ternura: ‘Hoje cozinharei para vocês’. Ao ouvir
isto, Landsberg exclamava de certa distância: “Que Deus nos ampare!’. Em
seguida, ao modo de explicação, nos dizia que em Nova York, quando Samiji
cozinhava, ele agarrava a cabeça com as duas mãos, porque isso significava que,
depois, teria que lavar todos os pratos, talheres e os outros utensílios que
haviam na casa.
* * *
Imediatamente depois de seu trabalho em Thousand Island, no outono de
1895, o Swami escreveu a Swami Abhayananda com respeito à organização.
Desgostoso com os que tão mal interpretaram o que ele quis dizer por
“organização”, e com as pessoas que não captaram o espírito e o pensamento
crendo, talvez, que ele quisesse dizer “fazer de tudo um êxito” de seu
trabalho, escreveu:
* Não temos nenhuma organização, nem queremos forma-la. Cada um é livre e independente para ensinar; totalmente livre para pregar o que quiser.
* Se
houver um espírito em seu interior, jamais deixará de atrair outros...
*
Individualidade é meu lema. Não tenho nenhuma ambição, além de treinar
indivíduos. Eu mesmo sei muito pouco; esse pouco, o ensino sem nenhuma reserva
e quando me sinto ignorante, o confesso abertamente... Sou um sannyasin.
Mantenho-me como um servidor e não como um amo, neste mundo.
Um dos amigos de Nova York convidou o Swami
para ir a Paris e Inglaterra. Vendo que as coisas se apresentavam por si, ansiou
pela oportunidade de levar à Grã-Bretanha e ao povo inglês, a mesma grande
mensagem que tinha pregado na América e que havia interessado vivamente aos
pensadores e representantes mais conspícuos da vida e cultura americana, para
uma nova ordem de pensamentos e uma nova alvorada espiritual.
* * *
Um dos grandes amigos do Swami, nesse
tempo, que o apresentou a muitas pessoas e colaborou com ele na organização de
suas aulas e na propagação dos ensinamentos da Vedanta, foi Mr. E.T. Study, um
verdadeiro cavalheiro que há muito tempo estava interessado no pensamento
hindu. Além disso, tinha vivido na Índia e praticado severo ascetismo em um
lugar aos pés do Himalaia. Era pessoa de fortuna, conhecimento e prestígio e
seu nome teve muita influência dentro do círculo de seus amigos que
participavam das aulas do Swami.
Dentre as primeiras assistentes das
aulas do Swami, se encontravam Lady Isabel Margesson e vários outros membros da
nobreza. O Swami trabalhava todos os dias, sem descanso, como havia feito em Nova
York, entregando toda sua sabedoria espiritual aos que chegavam ansiosos por
aprender.
Sentindo que o povo londrino deveria
escutar sua filosofia, seus amigos prepararam uma conferência pública no
Princess Hall, Piccadilly, um dos setores mais elegantes da cidade, na hora
vespertina de 22 de outubro de 1895. O tema eleito pelo Swami foi “O
Conhecimento do Ser”. Quando se colocou pé para começar a falar, seus olhos
contemplaram uma multidão de pessoas reunidas para ouvi-lo, representantes de
todos os níveis sociais e os melhores e respeitáveis pensadores de Londres. A
conferência foi um sucesso rotundo e na manhã seguinte, a imprensa cobriu suas
páginas com elogiosos comentários e expressões de vivo entusiasmo.
* * *
Entre estes se encontrava Miss Margaret
Noble, conhecida mais tarde como Sister Nivédita. Miss Noble se sentiu sacudida
até o mais profundo de seu ser, ante a liberal amplitude da cultura religiosa e
o frescor intelectual do olhar filosófico do Swami, como também pelo fato de
que “o timbre glorioso de seu chamado tinha soado para os que se consideravam
fortes, seletos e valentes, e de nenhuma maneira para elementos de menor valor
no homem”.
Depois de 3 meses de
ausência, o Swami voltou a Nova York num excelente estado físico e espiritual,
no inverno do dia 6 de dezembro. Sua visita à Inglaterra e seu pungente e
vigoroso trabalho lá, mesmo tendo sido um atarefa esgotante, foi muito
gratificante.
O Swami e Kripananda fixaram domicilio
na rua 39. O lugar constava de 2 quartos espaçosos, que poderiam acomodar umas
150 pessoas. A dama que tinha prometido sua ajuda, não se mostrou disposta a
cumprir sua promessa; mas o Swami não dependia das pessoas, nem das
circunstâncias, para seu êxito. Ele mesmo se dedicou a tarefa de ensinar Karma
Yoga em particular e através do conhecido livro “Karma Yoga”, considerado por
muitos como sua obra mestra.
* * *
Os que assistiam suas conferências
públicas, freqüentavam também o centro da Vedanta; muitas vezes não havia lugar
nem sequer para ficar de pé no Handeman Hall, quando o Swami falava. O chamavam
de “o orador iluminado” e logo sua fama, como conferencista, se expandiu tanto
em Nova York, que foi necessário alugar o Madison Square Garden, um salão com
capacidade para 500 pessoas sentadas, para a segunda série de conferências que
deu em fevereiro. Os temas foram “Bhakti Yoga”, “O homem real e o homem
aparente” e “Meu Mestre, Sri Ramakrishna Paramahansa”.
* * *
Em uma carta datada de 17 de fevereiro, o Swami escreveu a seus amigos
da Índia dizendo que tinha triunfado em sua tarefa de despertar o coração da
civilização americana. Isto estava literalmente certo. Milhares de pessoas de
todas as classes sociais, não só tinham ouvido sua mensagem, mas que se
proclamaram vedantistas e seus discípulos. Seu desejo de chegar a todo o povo
foi amplamente satisfeito.
Para isso, tinha concluído suas
conferências – aulas sobre Raja Yoga, Bhakti Yoga e Karma Yoga. Todas elas,
graças ao dedicado e fervoroso trabalho de Mr. Goodwin ficaram prontas para
serem publicadas. Além disso, várias de suas dissertações dominicais já tinham
aparecido em forma de cadernos.
Tendo finalizado seu trabalho em Nova
York, o Swami aceitou um convite para ir a Detroit dar aulas e conferências por
2 semanas.
* * *
Neste tempo, o Swami se sentia
fisicamente extenuado. Mesmo assim, por mais estranho que pudesse parecer, era
encontrado pleno de entusiasmo e sem demonstrar o menor cansaço. Depois de
encerrar suas conferências públicas em Nova York, em fins de fevereiro de 1896,
o Swami consolidou seu trabalho na América, organizando o movimento da Vedanta
em uma sociedade formalizada, mediante a publicação de seus ensinamentos no
formato de livro.
Foi assim que surgiu “A Sociedade Vedanta
de Nova York”, da qual ele foi o fundador. Tratava-se de um grupo não-sectário,
destinado a pregar, praticar a Vedanta e aplicar seus princípios a todas as
religiões. Convidou membros de todos os credos e organizações religiosas para
que se fizessem membros, sem alterar sua própria fé. Tolerância e aceitação de
todas as religiões foi seu santo e sinal, que punha em evidência seu caráter
geral.
Seus
membros foram conhecidos como “vedantistas” e preparavam reuniões regulares,
com o fim de levar adiante um trabalho cooperativo e organizado e para o estudo
e a propagação da literatura Vedanta.
Algumas das grandes obras do Swami, tais como
“Raja Yoga, Bhakti Yoga e Karma Yoga” já tinham sido publicadas e alcançado uma
rápida e ampla difusão. A imprensa americana recebeu e logo publicou críticas
muito favoráveis a estas obras. De sua parte, o “Raja Yoga” levantou uma
tremenda discussão entre os psicólogos e filósofos de algumas das principais
universidades.
* * *
Na primavera de 1896, começaram a chegar
cartas e mais cartas da Inglaterra, pedindo-lhe que voltasse e sistematizasse o
trabalho que tinha iniciado ali. O Swami já tinha sentido esta urgente
necessidade e isto foi o que lhe fez apressar o trabalho em Nova York. Ele
sabia que, sendo Nova York a capital da América e Londres a capital da
Inglaterra, se ele conseguisse deixar sociedades devidamente organizadas em
ambas as cidades, o trabalho de fazer países da língua inglesa do ocidente
conhecerem sua mensagem, se converteria em uma definitiva realidade.
Com esse plano em vista, dedicou-se a
treinar vários de seus discípulos. À Miss Waldo – conhecida como Sister
Haridasi – o Swami conferiu poderes espirituais e autoridade, dizendo que ela
era a única entre os demais, que estava capacitada para ensinar a prática e
filosofia do Raja Yoga. O Swami dedicou-se a treinar, também, os Swamis
Kripananda, Abhayananda e Yogananda e a um grande número de brahmacharis,
mediante um íntimo e profundo estudo e conhecimento da filosofia Vedanta em seu
triplo aspecto. Além disso, havia outros discípulos seus que estavam alcançando
uma verdadeira compreensão da essência de sua mensagem.
* * *
Os membros da Sociedade tinham
comunicado ao Swami seu desejo – muito digno de ser levado em conta – de que
enviasse um de seus gurubhais para conduzir as aulas durante sua ausência. O
Swami imediatamente escreveu ao Swami Saradananda, pedindo-lhe que fosse
rapidamente a Londres, como hóspede de Mr. E.T Study. Em 15 de abril, o Swami
Vivekananda partiu de Nova York rumo à Inglaterra.
* * *
O Swami exigia total liberdade
pessoal em todos os momentos. Sentia-se limitado, libertava-se por si mesmo.
Não podia tolerar que o quisessem manejar e quando certa dama de fortuna quis
obriga-lo a fazer “como ela queria”, em assuntos de planos e preparativos,
fazia tudo em pedaços. Esta senhora, no começo, se sentiu desgostosa ante a não
submissão do Swami à sua vontade, porém mais tarde, recordava disso alegremente
e, com todo carinho, dizia: “No último momento ele desbaratava todos os planos
que eu tinha preparado para ele; ele queria fazer as coisas a seu modo. É como
um touro enfurecido em uma butique chinesa!”.
* * *
Carta
(1894) escrita por mulheres à mãe do Swami, após uma conferência sobre “Os
Ideais da mulher hindu”. Nesta ocasião, houve observações maliciosas ou
ignorantes que muitos tinham feito com respeito à condição “degradante” das
mulheres na Índia.
“A Mãe
de Swami Vivekananda.
Querida senhora:
Nesta data sagrada da Cristandade, em que se celebra o dom divino do
Filho de Maria no mundo e tudo é felicidade para nós, sentimos que é o momento
mais propicio para a recordação.
Temos seu filho entre nós e desejamos enviar-lhe nossa carinhosa
saudação. O Swami ofereceu a seus pés, seu serviço aos homens, mulheres e
crianças deste longínquo país. Dias atrás, nos deu uma conferência sobre “Os
ideais da Maternidade na Índia”. A adoração à sua Mãe, tão comoventemente
expressada, será para todos os que o escutaram, fonte de inesgotável e
elevadora inspiração.
Aceite, querida senhora, nosso agradecido reconhecimento por sua vida
e trabalho em e através de seu filho. Que essa nossa singela oferenda seja
aceita pela senhora, como uma sincera demonstração de nossa gratidão e sirva,
além disso, como tangível esperança de que o mundo voltará para sua verdadeira
herança de Deus, de Irmandade e Unidade”.
Capítulo XXVI
SEGUNDA VISITA A
LONDRES E VIAGENS PELO CONTINENTE
Impulsionado pelo entusiasmo que o Swami lhe havia inspirado, o
Professor (Max Muller) lhe perguntou: “Que está fazendo você para que o
mundo o conheça?”. Sentia-se ansioso por saber mais e mais do Mestre e dizia
que seria muito feliz se pudesse escrever um relato mais amplo e profundo de
Sua vida e ensinamento, sempre que lhe facilitassem mais detalhes. O Swami, de
imediato, comissionou o Swami Saradananda para que se pusesse em contato com a
Índia e reunisse tudo o que fosse possível sobre a vida de Sri Ramakrishna e os
diversos aspectos e circunstâncias de Sua vida divina.
Feito isso, o Prof. dedicou-se a seu trabalho imediatamente, para
configurar o livro que foi publicado sob o título de “Ramakrishna, Sua vida e
ensinamentos”.
* * *
Foi no Himalaia europeu que os que fundariam o Advaita Ashrama e
dedicariam sua vida a sua causa ouviram, pela primeira vez, o projeto e
fervoroso desejo do Swami de estabelecer um monastério no coração de seu amado
Himalaia. Disse: “Como desejo ter um monastério onde pudesse me retirar de todo
o trabalho de minha vida e passar o resto dela em meditação! Seria um centro de
trabalho e meditação, onde meus discípulos da Índia e Ocidente pudessem viver
juntos; eu os treinaria como trabalhadores: aos primeiros, para ir pregar a
Vedanta no ocidente e aos últimos, para dedicar sua vida para o bem da Índia”.
Um pensamento afim a esta visão cruzou a mente de seus discípulos. Mr.
Sevier, falando por si e por sua esposa, disse: “Que formoso seria, Swamiji,
que seu desejo se realizasse! Devemos ter este monastério!”. À medida que o
tempo foi passando, foi acontecendo esse casual pensamento que surgiu nas neves
dos Alpes, tornando-se profético, porque no coração desses discípulos tinha-se
enraizado a idéia de que esse grande desejo de Swamiji deveria se cumprir. Para
isso, fizeram oferenda de tudo o que estava a seu alcance: ajuda material,
colaboração e até suas próprias vidas.
* * *
A idéia de escrever livros sobre filosofia hindu nunca o
abandonou e, em janeiro de 1901, quando foi a Mayavati, confessou a seus
discípulos que estava pensando seriamente em retirar-se da vida pública e
dedicar o resto de sua vida a escrever livros em um lugar solitário e que
nenhum seria melhor e mais apropriado para isto do que Mayavati.
Este
trabalho começava a oprimi-lo; sentia-se cada vez mais afastado do mundo. Por
momentos, o Espírito de Paramahansa – que o havia feito sentir todo o trabalho
como uma ligação insuportável, mesmo fazendo o bem aos outros, tomava conta
dele como uma força incontida. Sentia, então, o impulso de atirar tudo para o
alto e mergulhar na Infinita Paz. Em 23 de agosto, tinha escrito de Lucerna,
Suíça:
“Coloquei em marcha o trabalho. Agora, que os outros continuem. Para impulsionar este trabalho, tive que contaminar-me com dinheiro e pertences durante um tempo. Agora estou seguro de que minha participação no trabalho terminou; já não tenho mais interesse na Vedanta ou em qualquer outra filosofia do mundo, nem sequer no trabalho em si. Estou preparado para ir-me para não voltar nunca mais a este inferno, este mundo... Até sua utilidade religiosa está começando a cansar-me. Estes trabalhos, este fazer o bem ao mundo e coisas desta natureza, não são mais que um pouco de ginástica para purificar a mente. Já tive o bastante!...”.
* * *
Uma das maiores satisfações do Swami
foi o sucesso de Swami Abhedananda em sua primeira conferência. Ele o havia
designado para falar em seu lugar em 27 de outubro. O novo monge deu uma
excelente dissertação sobre a índole do ensinamento da Vedanta. Nesta
conferência inaugural, Swami Abhedananda manifestou seu grande fervor
espiritual e suas grandes possibilidades como orador religioso. Mr. Eric
Hammond descreve assim este memorável dia:
“...Certa desilusão aguardava aos que
tinham se reunido esta tarde; o anúncio de que Samiji não falaria e que, em seu
lugar o faria Swami Abhedananda.
...O rosto do Swami irradiava grande
felicidade ante o sucesso de seu aluno e o impulsionou a dizer algumas palavras
finais que soaram como uma Aleluia. Era a satisfação de um pai espiritual ante
o êxito de um filho muito querido e a vez do brilhante estudante, pleno de força
e entusiasmo.
* * *
Durante o mês de outubro de 1896, a
mente do Swami começou a dirigir-se mais para a Índia. Fazia tempo que vinha
pensando em voltar para lá e, nesse sentido, tinha falado com seus mais íntimos
amigos, particularmente com os Sevier.
* * *
O Swami escreveu a seus seguidores de
Madrás informando-lhes que queria estabelecer centros em Calcutá e Madrás e que
o casal Sevier tinha a intenção de fundar outro no Himalaia. “Começaremos o
trabalho com estes 3 centros e, mais adiante, fundaremos Centros em Bombay e
Allahabad. Destes lugares – se agrada ao Senhor – não só invadiremos a Índia,
mas também enviaremos grupos de pregadores a cada país deste mundo!”.
* * *
Antes de sua partida para a Índia,
escreveu a um grupo de discípulos da América:
“O trabalho em Londres foi de um
sucesso ressonante. Os ingleses não são tão inteligentes como os americanos,
mas uma vez que seu coração se comove, o dá para sempre.
“Lentamente o êxito foi alcançado e
não é extraordinário que, em 6 meses de trabalho, tenha-se mantido um público
estável de umas 120 pessoas, afora as conferências públicas?
“O casal Sevier e Mr Goodwin irão à
Índia comigo para trabalhar e investir todo seu dinheiro em seu trabalho. Há
muitos aqui que estão dispostos a fazer o mesmo; homens e mulheres de posição
estão prontos para abandonar tudo por uma idéia, tão logo como ficam
convencidos de sua realidade. Finalmente, mas não em últimos termos, a ajuda
financeira, para começar meu trabalho na Índia começou a chegar e continuará chegando.
“Meus conceitos e idéias a respeito
dos ingleses têm sofrido uma revolução. Agora compreendo porque o Senhor os
abençoou por sobre as demais raças. São firmes, constantes, sinceros até a
medula e com grande profundidade de sentimentos – com somente uma capa de
estoicismo sobre a superfície. Se alguém consegue atravessa-la, imediatamente
aparece o homem”.
Capítulo
XXVIII
MARCHA TRIUNFAL ATRAVÉS DO CEILÃO E SUL DA ÍNDIA
Voltando de navio à Índia - 1897.
O Swami ignorava totalmente os
grandes preparativos que se estavam fazendo em sua honra. Tranqüilo e
silencioso em meditação, conversando sobre a história das nações ou
descansando, tinha passado o tempo a bordo, com sua mente ocupada com
infinidades de planos para revitalizar e reorganizar o Dharma hindu.
Constantemente estabelecia comparações e refletia sobre suas experiências no
ocidente e estudava a história do mundo e sua relação com o hindusthan e com os
problemas e destinos da Índia.
* * *
Na tarde de 16 de janeiro, o Swami deu uma estremecedora
dissertação ante a audiência que ocupava o lugar. O tema: “Índia, Terra Santa”.
No Ceilão e ao sul da Índia, quando um
respeitável visitante chega a uma casa, é costume acender luzes e exibir as
melhores frutas à porta da casa. Este rito se realizava em quase todas as
moradias de hindus, por onde passava a procissão.
No domingo, o Swami visitou o templo
de Shiva. À sua chegada, foi recebido com aclamações coletivas de “Jaia
Mahadeva!” (Glória ao Grande Deus). Na segunda-feira, o Swami visitou Mr.
Chelliah, cuja residência tinha sido decorada artisticamente para a ocasião.
Milhares de expectadores, que esperavam na entrada, começaram a aclama-lo. Seu
assento tinha sido colocado de maneira que pudesse ser honrado com guirlandas e
salpicado com água do Ganges. Um quadro de seu Mestre Bhagavatan Sri
Ramakrishna atraiu a atenção do Swami que, de imediato, incorporou-se e
inclinou-se reverentemente. A reunião foi culminada com cantos sagrados.
* * *
De pé sobre o sagrado solo do famoso templo de Shiva, o Swami pronunciou palavras estremecedoras sobre o verdadeiro significado de Tirtha (lugar sagrado) e a adoração, convocando a todos os ansiosos ouvintes e a todos os seus correligionários, a adorar Shiva, não somente vendo-O na imagem, mas no pobre, no enfermo, no desvalido. O Rajá, embargado de emoção pelo espírito que animava a ocasião, no dia seguinte alimentou e vestiu a milhares de pobres. E em comemoração a este grande acontecimento, fez erguer um monumento de glória, de 12 metros de altura, onde fez gravar a seguinte inscrição:
SATYAMEVA YAIATÉ
“Este monumento erigido por Bhaskara Sathupathi, Rajá de Ramnad, marca o sagrado lugar onde os benditos pés de Sua Santidade Swami Vivekananda, pisaram a terra da Índia junto com seus discípulos ingleses, por ocasião de seu retorno do hemisfério ocidental, onde um sucesso glorioso e sem precedentes acompanhou Sua Santidade no filantrópico trabalho de espalhar a Religião da Vedanta”.
27 de janeiro de 1897
Capítulo XXIX
REGRESSO À BENGALA
O Swami, por sua vez, esperava ansiosamente o momento de retornar a cidade que o viu nascer. A viagem por mar, desde Madrás, foi uma bênção para seus nervos esgotados. As contínuas ovações, as constantes dissertações públicas e as conversas com visitantes a toda hora, o haviam extenuado. Por esse motivo decidiu viajar de barco, ao invés de faze-lo de trem.
Em Madrás, alguns de seus admiradores enviaram a bordo uma enorme quantidade de cocos. Por prescrição médica, o Swami devia tomar leite de coco em lugar de água. Mrs. Sevier, ao ver tal quantidade de cocos, lhe perguntou: “Swami, este é um barco de carga que veio embarcar cocos?”. O Swami, muito divertido, lhe respondeu: “Em absoluto! Trata-se dos meus cocos”. O Swami compartilhou os cocos com o capitão e os passageiros. Quando o barco chegou em Hooghly, mostrou a seus discípulos todos os lugares de interesse que ele tão bem conhecia, assim como os lugares associados a sua primeira juventude e anos subseqüentes.
* * *
Transcreveremos um diálogo que o Swami manteve com o pregador da Sociedade de Proteção das Vacas, que manifestou seu amor pelo seu povo e seu fervoroso patriotismo:
Swami: Qual é o propósito da associação?
Preg.: Salvamos as nossas Go-matas (a vaca como Mãe) das mãos dos carniceiros comprando-as e temos refúgios para cuidar das que estão velhas e enfermas.
Swami: É uma excelente idéia. De onde vêm os fundos?
Preg. : Os comerciantes são os principais colaboradores da Sociedade. Nos ajudam com muito dinheiro.
Swami: Uma terrível fome tem devastado uma zona da Índia Central. Os mortos por inanição chegam a 900.000. Que está fazendo sua sociedade para salvar essas pessoas da morte?
Preg. : Nós não socorremos vítimas da fome e outros desastres naturais. Nosso objetivo é salvar a Mãe como vaca, unicamente.
Swami: Quando milhões e milhões de seus próprios irmãos estão morrendo, vítima desta espantosa fome... Você não considera seu dever ajudar-lhes, dando-lhes de comer?
Preg. Não. Essa fome apareceu como resultado do carma das pessoas, por seus próprios pecados. É simplesmente um assunto de “tal carma, tal fruto”.
Ao ouvir estas palavras, o rosto do Swami se incendiou de indignação, enquanto seus olhos fixaram seu interlocutor. No entanto, reprimindo seus sentimentos, lhe disse: “Senhor, não sinto nenhuma simpatia por organizações que não abrigam nenhum sentimento para com o homem que, vendo ante seus olhos milhares de irmãos que morrem de inanição, não lhes importa salva-los, oferecendo-lhes algo para comer, mas que investem milhões para a proteção dos pássaros e bestas. Não vejo que bem pode vir de tais sociedades. Os homens estão morrendo por causa de seu carma, portanto, deixemos que morram. Não se envergonha de tal declaração? Se o senhor faz tal alegação sobre a doutrina do carma, então não há nenhuma necessidade de fazer o bem aos outros. Isto pode ser aplicado igualmente a seu trabalho: as vacas caem nas mãos dos carniceiros como resultado de seu próprio carma nesta, ou em alguma vida passada. Portanto, não há nenhuma necessidade de protege-las”.
O pregador, sentindo-se derrotado disse: “Muito bem, o que o senhor disse é verdade, mas nossos Shastras dizem que ‘a vaca é nossa mãe’”. Divertido com estas palavras, o Swami respondeu: “Oh! Sim! Essa vaca é nossa mãe, posso compreende-lo muito bem. De outra maneira, que outro poderia dar nascimento a filhos tão talentosos!”.
Aparentemente esta conversa deixou impassível o pregador que, sem fazer alusão a ela, em seguida pediu ao Swami uma contribuição. Ele lhe disse: “Sou um sannyasin, como você vê. Se as pessoas me dão dinheiro, o emprego primeiro dando-lhes alimento, educação e religião. Se sobrar alguma coisa, darei uma parte para sua sociedade”.
Quando o pregador se retirou, o Swami disse aos que estavam com ele: “Que insensatez disse este homem! De que serve ajudar aos que morrem por causa de seu carma? Esta é a razão pela qual o país caiu em completa ruína. Dão-se conta a que extremo monstruoso chegou sua doutrina do carma? Podem considerar-se homens, os que não têm coração para condoer-se pelos seus semelhantes?”. O Swami, enquanto falava, estremecia de angústia e desespero.
* * *
Enquanto o Swami se encontrava nesse lugar (Rose Bank, um setor da residência do Maharaj de Burdwan), ocorreram dois incidentes que demonstram seus poderes yóguicos. Vivia nos arredores o senhor Motilal Mukerji, que estava sofrendo de uma febre delirante. O Swami, movido pela compaixão, tocou sua cabeça. A febre baixou de imediato e o paciente voltou a normalidade. Mais tarde o senhor Motilal se converteu no Swami Satchidananda. Esta pessoa era um bhakta do tipo emocional exagerado e, freqüentemente, durante o Sankirtana, entrava em estados emocionais que o faziam gemer e rodar pelo chão, dando golpes com as mãos e os pés. O Swami, um dia, lhe tocou na região do coração. Desde esse momento, seu temperamento religioso experimentou uma mudança fundamental; converteu-se em um advaitista, dedicando-se ao estudo e prática de Gñana Yoga. Conseqüentemente, aqueles transes desapareceram para sempre.
* * *
1891, véspera de uma cerimônia de iniciação no
Math.
As vésperas do dia da cerimônia de iniciação, o Swami falou exclusivamente das glórias da renúncia. Seus olhos despejavam chamas e de suas palavras emanava um poder doador de força para os aspirantes. O discurso, por sua extensão, não pôde ser transcrito aqui. Suas palavras finais foram: “Lembrem; é para a salvação de sua própria alma e para o bem e felicidade dos muitos, que o Monge nasce neste mundo. Sacrificar sua própria vida pelos demais; aliviar o sofrimento de milhões de pessoas; secar as lágrimas das viúvas; consolar o coração das angustiadas mães; apontar ao ignorante e às massas desprovidas, o caminho e os meios para lutar pela existência e conseguir ficar sobre seus próprios pés; pregar em todas as direções, os ensinamentos dos Shastras a cada um e a todos, sem distinção, para seu bem-estar material e espiritual; para despertar o Leão de Brahma dormindo no coração de todos os seres, mediante a difusão da Luz do Conhecimento. É para este fim que o sannyasin nasce no mundo”.
* * *
(Na casa de Balaram Babu, conversando com seus gurubhais).
Um de seus gurubhais, Swami Yogananda, o censurou por não pregar as idéias de Sri Ramakrishna. Disse-lhe que demonstraria de que maneira podia harmonizar seus próprios planos com os ensinamentos do Mestre... porque Sri Ramakrishna insistia na necessidade de Bhakti e na prática de Sádhana para a realização de Deus, enquanto que ele, Swamiji, lhes pedia que fossem de cá para lá para trabalhar, pregar e servir ao pobre e ao enfermo, estas coisas que levam a mente para o mundo exterior, que é o maior impedimento na vida de Sádhana. Além disso, as idéias do Swami, de abrir Maths e Casas de Serviço para o bem do povo, suas idéias de organização e patriotismo, tudo era, sem dúvida, concepções ocidentais. Suas idéias de criar um novo tipo de sannyasines, com um ideal mais amplo de renúncia e outras manias, eram incompatíveis com o ideal de renúncia de Sri Ramakrishna e que, sem dúvida alguma, Ele mesmo as repudiaria.
No início, o Swami ouviu estas observações com ânimo risonho e em tom de gozação lhe disse: “Que você sabe? É um ignorante, digno discípulo de Sri Ramakrishna. ‘Tal guru, tal Chela’ (discípulo). Vocês são bhaktas é dizer uns tontos sentimentais. Que compreendem vocês por religião? São uns bebês, bons para rogar juntando as mãos: ‘Oh Senhor! Que formoso é Teu nariz, que doce é tua voz!”. E outras tolices dessa espécie. Pensam que a salvação está assegurada, que Sri Ramakrishna virá na hora final e os levará pela mão ao céu. Segundo vocês, o estudo, a pregação e o trabalho humanitário é Maia, porque Sri Ramakrishna não os praticou; porque disse a alguém: ‘Busca e encontra Deus primeiro; fazer bem ao mundo é uma presunção’. Como se realizar Deus fosse tão fácil! Como se Ele fosse tão tolo, para converter-se em joguete nas mãos de imbecis!”.
Sua mente, gradualmente, foi-se elevando até que, finalmente, com voz de trovão, exclamou: “Vocês estão seguros de compreender Sri Ramakrishna melhor que eu... Crêem que Gñana é conhecimento seco, que se alcança por um caminho árido, desértico, estrangulando as mais ternas faculdades do coração. O Bhakti de vocês é puro sentimentalismo, que os torna impotentes; por conseqüência, querem pregar Sri Ramakrishna como o compreendem, o que é uma insignificância. A quem importa seu Bhakti e Mukti? Quem se preocupa pelo que diz as Escrituras? Irei alegremente ao mesmíssimo inferno milhares de vezes, se com isso puder despertar meus compatriotas imersos em Tamas e faze-los caminhar sobre seus próprios pés e serem homens inspirados com o espírito de Karma Yoga.
“Não sou um seguidor de Ramakrishna nem de ninguém; sou somente seguidor dos que levam adiante meus planos. Não sou servidor de Ramakrishna nem de ninguém, senão de quem serve e ajuda aos outros, sem preocupar-se com sua própria libertação”.
Sua voz se calou pela intensa emoção; todo seu corpo estremeceu e já não pôde conter-se mais. As lágrimas deslizavam por suas faces. Como um relâmpago, colocou-se de pé e dirigiu-se ao seu quarto. Seus Gurubhais se sentiram arrependidos por suas palavras de críticas para com ele, num momento em que o Swami passava por um profundo estado de tensão.
* * *
(mais adiante, dito pelo Swami)
“Quando alguém alcança Bhakti, seu coração e seus nervos se tornam tão sensíveis e delicados, que não podem suportar nem o roçar de uma flor. Nestes dias não posso ler nem sequer uma simples novela; não posso pensar em falar de Sri Ramakrishna por muito tempo; em seguida, me sinto repleto de uma intensa emoção. Portanto, trato de manter sob controle o embate de Bhakti que mora em meu interior. Trato de atar-me, de sujeitar-me com as cadeias de ferro de Gñana, porque meu trabalho por minha mãe-terra ainda não se completou e minha mensagem ao mundo não foi concluída.
“Quando percebo que os sentimentos de Bhakti estão para avassalar-me e separar meus pés da terra, lhes dou um forte golpe e me torno inexorável, até fazer surgir o austero Gñana. Ah! Tenho tanto trabalho para fazer, no entanto!... Sou um escravo de Sri Ramakrishna; Ele dispôs que seu trabalho fosse feito por mim e não me dará descanso até que não o tenha cumprido! Ah! Como expressar Seu amor por mim! Como posso falar dEle!
* * *
... um dos maiores entre seus Gurubhais disse: “O Mestre nos trouxe a este mundo para manter a mente de Swamji entretida em assuntos externos e com seus diferentes planos de trabalho, de maneira que ele possa viver o suficiente neste mundo para cumprir a missão de nosso Mestre. Se assim não fosse, ele, a qualquer momento, poderia elevar-se da esfera de Nirvikalpa Samadhi”.
LIVRO IV
Capítulo
XXXI
VIDA NO MATH
E TREINAMEMTO DOS DISCÍPULOS
No
início de 1898, o Swami adquiriu um extenso lote de terra, de aproximadamente
sete acres, que incluía uma construção sobre as margens do Ganges, em Belur,
quase em frente ao ghat de Baranagore. Isto significou uma importante inversão
de cargo, em sua maior parte, de sua dedicada amiga e admiradora, Miss
Henrietta Muller, que tinha conhecido o Swami durante sua primeira visita ao
ocidente e compartilhado sua amizade na América e Inglaterra. Na realidade foi
ela, com seu esposo Sevier e Mr Study, que se encarregaram dos gastos do Swami
nos paises de língua inglesa.
* * *
Para grande tranqüilidade do
Swami, sua colaboração (Mrs Ole Bull) nesta emergência, colocou o
monastério sobre uma base financeira sólida. Isto permitiu dota-lo de tudo o
que era indispensável e construir o templo de Sri Ramakrishna.
* * *
Outro fato igualmente significativo
para o contato, em crescente aumento, entre o ocidente e o oriente, foi o
recebimento, em audiência, das discípulas européias do Swami por Sri Sarada
Devi, consorte do Bhagavan Sri Ramakrishna, uma dama ortodoxa de classe mais
elevada. Esta entrevista foi simplesmente comovedora. A Mãe se dirigiu a seus
visitantes chamando-as de “filhas minhas”. As discípulas se despediram da Mãe
levando consigo a Gopaler Ma, uma senhora mais velha, a quem Sri Ramakrishna
chamava de “Mãe”, num sentido especial. Estas discípulas ocidentais ganharam,
para sempre, o carinho da mais ortodoxa das viúvas brahmines, até o ponto de
comer com elas e, uma semana depois, viver com elas por 3 dias.
* * *
Quando (o swami) se encontrava
parcialmente restabelecido fisicamente, logo chegaram notícias de uma epidemia
em Calcutá. O Swami se apressou em ir à cidade para prestar ajuda à população
que se encontrava presa de terror, por causa do regulamento que tinha sido
baixado, devido às circunstâncias. A situação em Calcutá era ameaçadora; parecia
como se uma grande tormenta estivesse por explodir. As pessoas fugiam
apavoradas e teve-se que recorrer às tropas para dominar o tumulto. O Swami
captou, de imediato, a gravidade da situação.
Em 3 de maio, no mesmo dia, foi para o Math, redigiu um manifesto sobre a epidemia em bengali e em hindi. Sentia-se extremamente preocupado e quis começar imediatamente as operações de socorro para ajudar as vítimas. Quando um de seus gurubhais lhe perguntou: “Mas Swami, de onde virão os fundos necessários?”, ele respondeu com impetuosidade: “Venderemos os terrenos do Math que acabamos de comprar, se for necessário! Nós somos sannyasins; devemos estar prontos para dormir sob as árvores e viver de esmolas diariamente, como fizemos antes”. Logo acrescentou: “Porque vamos nos preocupar com o Math e algumas outras posses, quando dispomos deles para aliviar a milhares de pessoas que estão sofrendo diante de nossos olhos?”. Afortunadamente, não foi necessário dar esse passo extremo, porque recebeu notícias do envio de importantes fundos para o seu trabalho. Foi decidido que se alugaria uma extensa porção de terra e, em cumprimento aos regulamentos do governo, em épocas de epidemias, se estabeleceriam campos separados, nos quais se poderia acomodar, cuidar e alimentar as vítimas, de tal maneira, que não ofendesse a comunidade hindu.
Os trabalhadores fluíram em quantidade
para cooperar com seus discípulos. O Swami os instruiu sobre como desinfetar as
ruelas e casas dos distritos para onde eram enviados. O socorro que este trabalho
trouxe aos pacientes foi enorme, e as medidas adotadas pelo Swami ganharam a
confiança e o carinho das pessoas, ao comprovarem que ele era realmente um
vedantista prático, um mestre capaz de manter, bem alto, as mais elevadas
doutrinas metafísicas da Vedanta, quando havia a necessidade de aliviar a
necessidade e a dor de seus compatriotas.
O tempo mostrou que sua
inspiração tinha sido profética; quatro anos mais tarde, nesse mesmo dia,
terminadas as ligações com seu trabalho, entrou em um “rapto de felicidade” na
Liberdade Final, a qual tinha referido seu poema.
* * *
O Swami havia se retirado para uma
casa flutuante, em um lugar solitário, permitindo que o visitasse somente um
doutor Brahmo, que tinha se convertido em seu fervoroso devoto, durante sua
viagem a Kashmir naquele verão e que ia vê-lo regularmente para atender suas
necessidades cotidianas.
Quando o doutor o encontrava
mergulhado em seus pensamentos ou meditação, se retirava em silêncio. O cérebro
do Swami fervia e se agitava constantemente com a visão e a consciência da Mãe,
cuja Personalidade, literalmente o saturava tornando-se, simultaneamente, na
mais lacerante tortura e na mais extática felicidade. Sua mente foi alcançando
as maiores alturas: a revelação deveria vir, ou a mente sucumbiria sem remédio.
Uma tarde, à hora vespertina, a
revelação chegou. O Swami tinha centrado toda sua atenção “no escuro, o
doloroso e o inescrutável no mundo, com a determinação de chegar por esse
caminho particular ao Uno por detrás de todo o fenomenal”, pois tal era sua concepção
da Mãe. Todo seu corpo se sacudiu como por um contato elétrico. No exterior
tudo era quietude, mas dentro de si rugia uma tempestade capaz de destruir o
mundo.
Enquanto sua visão ia se tornando mais
intensa, escreveu um poema “Kali, a Mãe” - um de seus melhores poemas que dá
certo vislumbre de sua visão do tumulto do universo, a Revolução e o Vigor do
cosmos, que ele chamava de “a feliz loucura da Dança da Mãe”. Logo a caneta
caiu de suas mãos e ele rodou pelo chão, perdendo toda consciência, sua alma
elevando-se às maiores alturas de Bhava Samadhi.
* * *
Depois da experiência que relatamos, o Swami, em 30 de setembro, se
retirou a Kshir Bhavani deixando instruções estritas de que ninguém deveria
segui-lo. Deste retiro, o Swami regressou em 6 de outubro. Ante este famoso
santuário da Mãe, realizou diariamente o Homa e A adorou com o oferecimento de
Kshira (leite condensado), arroz e amêndoas, passando o rosário como o mais
humilde peregrino. E como uma shádana especial adorou, todas as manhãs, a filhinha
de um Pandit Brahmin, como Uma Kumari, a Divina Virgem.
Suas austeridades foram terríveis;
parecia que queria rasgar todos os véus que cobriam sua alma durante seus anos
de trabalho e pensamento no relativo, para voltar a ser o menino ante sua Divina
Mãe. Mesmo que Suas carícias possam causar dor física, elas iluminam e liberam
a alma. Toda a idéia de líder, trabalhador ou mestre, tinha se desvanecido em
sua mente. Ele, agora, era somente o monge, em toda a nudez da mais pura
Sannyasa.
O Swami regressou a Srinagar
transfigurado. Subiu para a casa flutuante com suas mãos no alto, em sinal de
bendição; em seguida colocou algumas flores, que tinha oferecido à Mãe sobre a
cabeça de cada uma das discípulas. Dizia: “Não mais ‘Hari OM’- agora tudo é
‘Mãe’. Tenho estado muito enganado. A Mãe me disse: É se os não-crentes entram
em Meus templos e profanam Minhas imagens? Que te importa? Acaso você Me
protege? Ou sou Eu quem te protege?’. Portanto, não mais patriotismo. Sou só
seu pequeno filho!”.
Capítulo XXXIV
ENTRE OS SEUS
O Swami começou a sofrer de asma em 27
de outubro; a pedido de alguns monges, foi examinado por um renomado
especialista, Dr. R.L.Dutt que, consultando outros médicos, foi de opinião de
que o Swami deveria cuidar-se
seriamente. Além disso, tinha se produzido um derrame no olho esquerdo,
possivelmente em conseqüência de sua grande concentração.
Os monges se esforçavam para evitar
que ele entrasse em profundos estados de meditação, temendo que a Grande
Meditação Final pudesse vir a qualquer momento e que descartasse o corpo como
uma coisa inútil. A tal ponto sua mente havia se retirado de tudo que o
rodeava, que freqüentemente não ouvia a resposta que lhe dava alguém, para uma
pergunta que ele mesmo havia feito.
* * *
Uma característica notável do Swami
era fazer com que os que estavam com ele, se sentissem grandes, valentes e
intrépidos para tudo. Êxito ou fracasso da parte deles, só inspirava no Swami
aprovação e alento, porque ele julgava seus gurubhais e discípulos, não por seus
alcances do presente, mas pelo espírito com o qual atuavam. Era suficiente que
tivessem pretendido e tentado alcançar. Os atirava nas águas, mais além de suas
próprias profundidades – por assim dizer – para que aprendessem a nadar.
O Swami tinha infinita fé nas
possibilidades da alma humana e os inspirava com um fogo e uma eloqüência que
se tornavam sensivelmente irresistíveis. Dizia-lhes que eram tão capazes de
inspiração, como ele mesmo. Podia ver uma montanha em um átomo de virtude de um
discípulo e as montanhas de erros e fraquezas como meros átomos. Em tal
relação, cada propósito devidamente captado ou inalcançado, se tornava
carregado de poder e visão. Tal era o espírito que prevalecia no Math, naqueles
dias.
* * *
No mesmo dia de sua chegada, fez uma
reunião com seus irmãos-monges, para anunciar-lhes que deveriam se preparar
para sair – como fizeram os seguidores de Buda – e pregar o Evangelho de Sri
Ramakrishna ao povo da Índia. A dois de seus discípulos, os Swamis Virajananda
e Prakashananda deu instruções de sair imediatamente para Dacca, a leste de
Bengala. O primeiro deles, com toda humildade, lhe disse: “Swamiji, que vou
pregar se não sei nada?”. “Então vá e pregue isto” - lhe respondeu o Swami.
“Isso, em si, já é uma grande mensagem”.
Momentos depois pediu a estes dois
discípulos que o acompanhassem ao santuário do monastério. Os 3 sentaram-se em
meditação e o Swami, imediatamente, entrou em profundo estado. Logo,
solenemente, disse: “Agora infundirei meu Shakti, meu Poder, em vocês. O Senhor
estará às suas costas”. Logo, com muito carinho, lhes deu instruções privadas
sobre como deveriam pregar e os Mantras que deveriam dar a todos os que
pudessem ser iniciados. Com esta bênção de seu Guru, os discípulos partiram
para Dacca, em 4 de fevereiro.
* * *
Ocupava preponderantemente a mente do
Swami, a idéia de abrir um monastério no Himalaia, em um lugar solitário e de
clima agradável, onde orientais e ocidentais pudessem conviver em pé de
igualdade e fraternidade. Tinha escrito a um amigo, dizendo-lhe que este
monastério deveria estar situado a uns 2300 m sobre o nível do mar, pois não
queria matar seus discípulos ocidentais que chegavam à Índia para colaborar com
sua causa, forçando-os a viver ao estilo dos hindus, no terrível calor da planície.
O Swami deixou este assunto nas mãos
do casal Sevier e do Swami Swarupananda que, em sua intensa busca, deram com um
magnífico lugar chamado Majavati, com suas montanhas cobertas de espessos
bosques e a uma altura de 1900 m sobre o nível do mar, a 50 milhas (80Km) de
Almora. Deste lugar se dominava uma vista estupenda das montanhas nevadas.
Ali mesmo decidiram que esse era o
lugar para seu acalentado sonho de fundar o Advaita Ashrama e estabelecer, de
maneira definitiva, a publicação do Prabuddha Bhárata. A compra se efetivou de
imediato e, em 19 de março de 1899, os três fixaram sua residência neste
retiro. Esse dia foi muito auspicioso, por tratar-se da data de aniversário do
nascimento de Sri Ramakrishna. O Advaita Ashrama foi fundado com as mais calorosas
bênçãos do Swami e cumprindo imediatamente com suas instruções, foi trazida a
prensa para a impressão.
* * *
Neste
mesmo Ashram não há nenhuma imagem para o culto externo, quadro ou símbolos de
Deus; nenhuma cerimônia ou ritual religioso, exceto o Viraja Homa. Nem sequer
adoração a seu próprio Mestre, característica principal de todos os outros
centros monásticos da Ordem.
* * *
Em uma ocasião em que estava se
referindo a castidade, disse que a pureza era tanto para pessoas do lar como
para monges. “Outro dia veio ver-me um jovem hindu – disse – que há anos vive
neste país e tem problemas de saúde. Me disse que a teoria da castidade era
inadequada, porque os médicos neste país, tinham-no aconselhado o contrário,
dizendo que a continência ia contra as leis da natureza. Lhe disse que voltasse
a Índia, onde pertencia e escutasse os ensinamentos de seus antepassados, que
tinham praticado castidade por milhares de anos!”. Em seguida, com visível
desgosto, falou:
“Vocês, os médicos deste país, que
sustentam que a castidade é contra a lei da natureza, não sabem o que dizem,
não conhecem o significado da palavra Pureza. São bestas! Bestas! Sustentam a
moral de um touro. Esse é o melhor que têm para dizer sobre o tema?”.
O Swami olhou desafiante a audiência,
convidando a oposição a se manifestar com um só olhar. Nenhuma voz se ouviu,
apesar de haver vários médicos presentes.
* * *
Um dos maiores e íntimos amigos nesse
tempo foi o Padre Hyacinthe, que fora, em outros tempos, monge carmelita. Como
monge exercia uma grande influência na França e em todo o mundo católico, por
sua erudição, oratória e austeridades. Foi excomungado em 1896, por persistir
em sua denúncia da corrupção da Igreja. Logo obteve uma dispensa de seus votos
monásticos e se converteu no abade Loyson. Novamente protestou contra a
declaração da infalibilidade Papal e se uniu aos antigos católicos. Em 1897,
casou-se com uma dama americana e foi conhecido como Monsieur Charles Loyson.
Estes fatos de sua vida significaram uma grande comoção para a Europa, nessa
época. Os Católicos Romanos o odiavam e os Protestantes o recebiam com os
braços abertos.
* * *
O Swami mantinha longas
discussões com ele sobre temas religiosos e a vida espiritual, sobre seitas e
crenças. Nessas ocasiões, o Swami falava com sua cálida eloqüência, da renúncia
e das velhas lembranças da vida monástica e estremecia o coração de quem, em
outro tempo, tinha sido um verdadeiro monge. Mais adiante ele, com sua esposa,
acompanharam o Swami e sua comitiva em sua viagem a Constantinopla. Logo se
encontraram em Escútari, na Ásia Menor, quando Padre se dirigia a Jerusalém
para criar uma aproximação entre cristãos e maometanos.
* * *
O Swami voltou a se encontrar com Sarah Bernhardt – a maior atriz do
ocidente – que sentia profundo amor pela Índia “esse país tão antigo e
civilizado”. Em uma das temporadas teatrais colocou em cena um drama
relacionado com a Índia, apresentando um quadro perfeitamente realista das ruas
da Índia, com seus homens, mulheres, crianças e sadhus. Disse ao Swami que, com
a finalidade de criar uma verdadeira atmosfera em sua representação tinha
visitado, durante um mês, todos os museus, estudado e assimilado minuciosamente
tudo o que estava relacionado com as pessoas da Índia: suas vestimentas, suas
ruas, etc. Tinha um ardente desejo de conhecer a Índia e dizia “é o sonho da
minha vida”.
Durante sua permanência em Paris, o
Swami teve grande intimidade com uma de suas antigas admiradoras, Madame Calvé,
a grande cantora de ópera do ocidente. Sua cultura se limitava à música; era
muito versada em literatura filosófica e religiosa.
* * *
Foi muito comovente um incidente que
aconteceu no Cairo e que extraímos das Reminiscências de Mme. Calvé. “Um dia o
grupo se acomodou numa carruagem, buscando o caminho quando, sentadas em um
banco, estava um grupo de mulheres rindo, alvoroçadas. Ao ver o Swami, lhe
fizeram cenas provocativas. Nós tratamos de nos afastar do lugar, mas ele
dirigiu-se para o grupo, nos deixando. Lentamente foi se aproximando. Então,
olhando-as, disse: ‘Pobres criaturas! Pobrezinhas! Elas colocaram sua divindade
em sua beleza e olhem agora o que são!’. O Swami começou a chorar; de seus
olhos caíam grossas lágrimas. As mulheres, surpresas e envergonhadas, o olhavam
em silêncio. Prontamente uma delas se adiantou e, inclinando-se ante ele,
beijou a barra de sua túnica exclamando, com voz entrecortada, em espanhol:
‘Homem de Deus!’”.
Janeiro
de 1901
A saúde do Swami decaía rapidamente. Além da diabete que vinha sofrendo há algum tempo teve, em Dacca, outro severo ataque de asma. Seus discípulos estavam preocupados, pois tinham descoberto que o clima se Shillong não lhe faria bem. Durante o ataque de asma, o Swami, em estado semi-consciente disse, como se para si mesmo: “Que importa! Lhes dei o suficiente para 1500 anos”. Sentia que podia morrer em paz agora, depois de ter dado sua mensagem ao mundo e que se as nações do ocidente aceitavam seus ideais espirituais e se a Índia adotava seus planos para sua regeneração, tinham suficiente trabalho para 1500 anos.
* * *
Seus gurubhais e amigos lhe rogavam
que descansasse, mas ele os satisfazia por uns poucos dias. Teria sido muito
mais fácil mover uma montanha que manter sob controle essa mente, que tinha
ensinado o mundo. Além disso, era evidente que seu interesse pela vida estava
se desvanecendo. Seus discípulos recordavam suas palavras de outros tempos: “Se
temos que agradecer alguma coisa, é que esta vida NÃO é eterna”. Mediante o
poder de seu pensamento, ele mesmo estava afrouxando as travas do corpo,
enquanto se aproximava rapidamente o momento em que abandonaria, para sempre,
sua forma mortal.
Sentava-se na varanda do piso superior
do monastério e contemplava intensamente as cúpulas do templo da Mãe Kali, em
Dakshineswar, que se erguiam alto por sobre as árvores do lugar, depositárias
de tantas queridas lembranças. Perdido em contemplação, seu rosto expressava
uma inefável tristeza ou a luminosidade do êxtase. Para o mundo, ele era o
famoso Vivekananda, o pregador, o mestre e o patriota; para seus gurubhais, ele
era o monge, o santo, o líder, o amigo, o mestre, o bem-amado, o filho de Sri
Ramakrishna e da Divina Mãe. Em uma palavra, seu tudo-em-um.
Depois de caminhar pelos terrenos do
monastério, costumava sentar-se sobre a árvore Vilva, no lugar onde agora se
encontra seu templo. Ali, descansava ou meditava e em muitas ocasiões, perdia a
consciência do mundo exterior.
Outro lugar favorito era sob a grande
mangueira, no terreno entre o templo de Sri Ramakrishna e o edifício do
monastério. Era encontrado ali pela manhã, sentado em um catre lendo sua
correspondência, escrevendo artigos ou livros, lendo ou conversando com alguém.
Seu quarto se encontrava no 1º andar,
no ângulo sudeste do edifício do monastério. Era amplo, com 4 janelas e 3
portas, que servia como estúdio e dormitório. No meio do quarto havia uma cama
de ferro, com um colchão de molas, que tinha ganhado de uma discípula
americana. O Swami raramente o usava, preferindo uma simples manta estendida no
chão. Uma cadeira de braço, uma escrivaninha com cartas e manuscritos,
lapiseira, tinta, papel, mata-borrão, uma campainha para chamar, algumas flores
em um jarro de metal, uma fotografia do Mestre, uma pele de cervo para
sentar-se e meditar e uma pequena mesa com um aparelho de chá de fina
porcelana, completavam a mobília. A maioria destas coisas era presente de seus
discípulos ocidentais. Agora todos eles estão conservados no Math com grande
cuidado e reverência.
Neste quarto ele escrevia, dava
instruções e seus gurubhais e discípulos, recebia seus amigos, ocasionalmente
comia, dormia, meditava e entrava em comunhão com Deus. Foi aqui, também, que
deixou sua forma mortal, durante a última meditação de sua vida.
* * *
Num certo sentido, Bagha, o cachorro,
era o chefe dos animais do Math; sentia que o monastério lhe pertencia. Uma
vez, por conta de uma grave travessura, cruzou de barco à margem oposta do
Ganges e ficou ali, a sua própria sorte. À tarde, saltou para o ferry-boat,
grunhindo e ameaçando de modo tão feroz, quando o barqueiro e os passageiros
tentaram desaloja-lo, que eles não se atreveram a disputar com ele seu direito
de viajar. Na manhã seguinte, quando o Swami saiu do seu quarto às 4 horas,
tropeçou com ele, deitado a sua porta. O Swami deu carinhosas palmadas nele e
lhe assegurou sua proteção. Logo disse aos monges que Bagha, fizesse o que
fizesse, nunca mais deveria ser espantado do Math. O animal parecia saber que
deveria recorrer ao Swami, para obter perdão e misericórdia e que se tinha
permitido que ficasse, não havia ninguém, jamais, que pudesse tornar a
escorraça-lo.
Muitas estranhas histórias circulam no
Math sobre Bagha. Por exemplo: logo que os gongos e caracóis anunciavam o
começo ou final de um eclipse, Bagha, junto com centenas de devotos, se banhava
no Ganges por sua própria iniciativa. Muito depois do desaparecimento físico do
Swami, quando Bagha morreu, seu corpo foi atirado em um lugar longe do Math,
nas margens do Ganges e logo arrastado pela maré. No dia seguinte foi trazido
de volta pelas águas, ao mesmo lugar do Math de onde tinha sido atirado. Então
um bramachari pediu e obteve permissão dos Swamis mais velhos para enterrar
Bagha em algum lugar do Math. Uma pilha de ladrilhos assinala, até hoje, esse
lugar.
* * *
Apesar do severo tratamento, a dieta
rigorosa e o pouco sono, o divino resplendor de seu rosto e o brilho de seus
olhos não tinham diminuído. Além do mais, não parava de trabalhar. Dias antes
de começar o tratamento tinha começado a leitura da última edição da
Enciclopédia Britânica.
Seu discípulo Sarat Chandra, ao ver os
25 volumes em seu quarto disse, com certo vacilo: “Me parece muito difícil
chegar a conhecer a fundo o conteúdo de tantos volumes em uma só vida...”. ele
ignorava que o Swami já tinha lido 10 dos 25 volumes e começado a ler o 11º.
* * *
Durante todo o tempo de sua
permanência em Belur e especialmente durante os últimos meses de sua vida, o
Swami colocou grande ênfase na meditação. Uns 3 meses antes de seu falecimento,
impôs uma regra estabelecendo que, às 4 horas da manhã, deveria soar uma
campainha de mão, de quarto em quarto, para despertar os monges e que ao fim de
meia-hora, todos deveriam estar na capela para meditar.
Insistia ante os discípulos,
assegurando que nenhuma Ordem Monástica poderia se manter pura ou reter seu
vigor original, ou seu poder para trabalhar para o bem, sem um ideal bem
definido, sem rigorosa disciplina e votos solenes e sem manter a devida
cultura, respeito e educação dentro da comunidade.
Capítulo
XL
MAHASAMADHI
Sobreveio-lhe uma grande Tapasya –
austeridade – e estado meditativo, como uma preparação para a morte. Seus
gurubhais e discípulos se sentiram muito ansiosos ao ver seu amado líder
retirar-se para a atmosfera de austeridade e meditação. A profecia de Sri
Ramakrishna, de que Naren mergulharia em Nirvikalpa Samadhi ao final de seu
trabalho, quando soubesse quem era e que era ele, realmente, negando-se a
permanecer mais tempo no corpo, assaltava constantemente a mente de seus
gurubhais, como se fosse um fantasma.
* * *
Um dia, uma semana antes do dia
final, o Swami pediu a seu discípulo Swami Shuddhananda que lhe trouxesse o
almanaque Bengali. O tomou em suas mãos, virou várias de suas páginas e logo o
guardou em seu quarto. Várias vezes, durante os dias seguintes, foi visto
estudando atentamente o almanaque, como se estivesse indeciso por alguma coisa
que deveria fazer. Só depois de sua partida, este fato assumiu todo seu real
significado para seus angustiados gurubhais e discípulos. Então se aperceberam
de que ele havia decidido terminar com a ligação do corpo em um dia determinado
e que o dia escolhido fora 4 de julho.
Uma tarde, 3 dias antes de sua morte,
enquanto passeava pelos espaçosos terrenos do monastério com Swami Premananda,
mostrou um lugar particular na margem do Ganges e disse, gravemente: “Quando eu
deixar este corpo, o cremem ali”. Exatamente nesse lugar, hoje, se levanta o
templo em sua honra.
* * *
Trecho
de um escrito de Sister Nivédita.
“Uma vez em Kashmir, depois de uma
séria enfermidade, levantou duas pedras e nos disse: ‘Cada vez que a morte se
aproxima de mim, toda debilidade se desvanece. Estou ocupado somente em
preparar-me para morrer; não tenho medo, dúvida, nem o menor pensamento do
externo’. Em seguida, bateu uma pedra contra a outra e acrescentou: ‘Sou tão
duro como isto, porque toquei os Pés de Deus’.
“Uma revelação desta natureza, de
ordem pessoal, era muito estranha e pouco comum de sua parte; por essa razão
essas palavras não puderam nunca ser esquecidas. Além disso, ao regressar da
caverna de Amarnath, nos disse, alegremente, que acabara de receber a graça de
Amarnath de que não morreria até que ele mesmo o quisesse. Agora isto nos
parece uma promessa de que a morte não poderia toma-lo de surpresa, pois
corresponde muito bem à profecia de Sri Ramakrishna de que, quando ele soubesse
quem e o que era, não permaneceria nem mais um momento em seu corpo. Estas
profecias tinham se desvanecido em nossas mentes, tirando-nos toda a ansiedade,
a tal ponto que até suas profundas e muito significativas palavras acabavam por
serem incapazes de revive-las”.
* * *
Ao entardecer, a mente do Swami se
tornou mais e mais introspectiva e quando a campainha anunciou o culto
vespertino, retirou-se à quietude e solidão de seu quarto. Ali se sentou em
meditação, enfrentando o Ganges. O que aconteceu nesse memorável dia, foi
relatado por alguns dos membros da Ordem, o que transcreveremos na continuação.
Swami Saradananda, em 24 de julho, escreveu
ao Dr. Logan, Presidente da Sociedade Vedanta de São Francisco, nestes termos:
“Enviamos um cabograma à Sociedade
Vedanta de Nova York com instruções de comunicar ao senhor e a todos os amigos
dos Estados Unidos, o Nirvana de nosso bem-amado Vivekananda.
“Entrou na Vida Eterna no inverno de 4
de julho, às 21:10h. Aconteceu tudo tão subitamente, que nem sequer os Swamis,
no quarto contíguo ao seu, no Math, tiveram a mais leve intuição do que
sucedia.
“Ao entrar em seu quarto às 19:00 h, o
Swami tinha pedido que ninguém o interrompesse até que ele chamasse. Uma hora
depois, chamou um de nós e lhe pediu que o abanasse na cabeça. Estava deitado
em sua cama, com o rosto sereno e o que o atendia, não podia distinguir se
cochilava ou meditava. Uma hora depois, observou-se um ligeiro tremor em suas
mãos, ao mesmo tempo em que respirava muito profundamente. Logo ficou tranqüilo
por um ou dois minutos, até que, novamente, respirou muito fundo, com os olhos
fixos entre os olhos e uma divina expressão em seu rosto. Logo tudo terminou.
“Durante todo o dia tinha se sentido
livre e despreocupado; mais até: com um bem-estar que não tinha sentido durante
os últimos seis meses. Pela manhã, tinha meditado 3 horas seguidas, em seguida
almoçou com excelente apetite e depois deu uma aula sobre gramática sânscrita,
filosofia e os Vedas, a todos os Swamis do Math, durante mais de duas horas,
discutindo com eles sobre filosofia Yoga. À tarde, caminhou por uns 3 km e ao
voltar, perguntou, com muito carinho, por cada um dos residentes. Enquanto
descansava, conversou sobre o surgimento e decadência das nações, com seus
irmãos-monges. Logo se dirigiu à seu quarto para meditar. O resto, o senhor já
conhece”.
* * *
Na manhã seguinte, centenas de pessoas
de todas as partes chegaram ao monastério. Inumeráveis carruagens atravessaram
o portão e os barcos chegavam ao ghat transportando grandes quantidades de
passageiros. Uma silenciosa e profunda tristeza reinava em todos os que lotavam
a capacidade do quarto onde, amanhã, não mais soaria o riso musical ou a
eloqüência estremecedora do inspirado monge.
Centenas e centenas desfilaram ante o
corpo, num silêncio solene, tratando de compreender que ele, realmente, já não
estava entre eles. Logo se asseguravam da forma sem vida de quem tinham amado
mais que sua própria vida dizendo: “Será verdade que nosso Swami de foi?”. E ao
contemplar seu rosto neste dia, muitos fizeram o voto de dedicar sua vida,
neste mesmo momento, ao serviço de seu país e de toda a humanidade.
Seus discípulos nunca tinham sofrido uma perda
tão sensível quanto o desaparecimento físico de seu divino Mestre, Sri
Ramakrishna. E agora, voltava às suas mentes a inesquecível cena da cremação do
corpo de seu Mestre, no crematório de Cossipore, na margem oposta do Ganges.
Quando o Mestre deixou Seu corpo, eles tinham ficado sob os cuidados e proteção
de Naren. Agora que ambos tinham abandonado o plano mortal, os monges de
sentiam como uma desolada caravana de estrangeiros, nas areias tormentosas e
desérticas deste mundo.
Em consideração aos que insistiam em
que podia tratar-se de um muito elevado Samadhi, o corpo de Swamiji foi deixado
em sua habitação até a manhã do dia seguinte.
Finalmente, dado que a cada momento o
corpo se tornava mais frio e rígido, todos ficaram convencidos, além de toda
esperança, de que a Alma tinha entrado para sempre nas regiões da Sempiterna
Luz e Vida.
* * *.
À tarde, o corpo foi levado para o
andar térreo e depositado no porsh. Ali, sobre um catre, foi envolvido no
tecido simbólico da renúncia e da pobreza do sannyasin. A planta de seus pés
foi pintada com Alta, uma espécie de pigmento carmesim e sobre um tecido de
algodão, se tiraram impressões, para ser preservadas como sagrada relíquia.
Logo se realizou o Arati, sendo este o último rito de adoração à forma que
tinha sido o instrumento para a revelação da Suprema Verdade. Acenderam-se
luzes, recitaram-se mantras, se fizeram soar os caracóis e campainhas e se
queimaram incenso.
* * *
Finalmente o corpo foi colocado sobre
a pira, pelos monges e devotos, até que tudo foi uma só chama. Lentamente,
nesse triste entardecer, as chamas foram cedendo e na alma dos que permaneciam
imóveis a seu redor, desceu uma intensa calma.
Trechos
finais
As palavras que dissera, em algumas
ocasiões, soavam agora com voz de triunfo:
“Pode ser que considere conveniente
deixar o corpo...; mas jamais deixarei de trabalhar! Inspirarei a todos os
homens de todas as partes, até que o mundo saiba que é uno com Deus!”.
Sua profética inspiração tinha-se
feito realidade e desde agora, permanecerá com os filhos dos homens, até que o
mundo inteiro alcance a realização da mais Elevada Verdade.
Essa Voz Eterna repercutirá por
séculos e séculos, naquelas Aclamações de louvor e de triunfo:
Jai Sri Gurumaharaj ji ki jai!
Jai Sri Swamiji Mararaj ji ki jai!
Jai Sri Sanatana Dharma ki jai!
Hari om tat sat
Om…!
AQUELE EXISTE!